Coluna Existir e Resistir
Por Coluna Existir e Resistir -
Mulher negra
Mulher negra, eis que caminhas sobre os vitrais perenes deste dia jamais extinto no grande rio de sermos mais que o rumor do nada.
Na floresta das tuas tranças, mil árvores despertam a mais fértil negação deste silêncio de nua memória.
Do teu coração, mulher negra, sobem as queimadas do cacimbo, as encruzilhadas do sol na tessitura de um povo sempre extasiado apelando à voz humílima de fogo.
Esse povo único emigra em cada gesto teu a linhagem de uma beleza metálica para que o dom da vida singre no teu ventre o surto ancestral de outro país.
E tu mulher negra, sentas-te no trono beijando a luz da tarde com a notícia dos teus ângulos infinitos.
Por quantos mistérios me segreda o marulhar da tua pele onde se fundem as mil cores da transparência do Homem quisera, ave cega, levantar meu voo dentro do zimbo do teu sangue, ouvir cantar o som antigo de inventares o mundo.
No teu rio de luas sem noite quisera, mulher negra, entretecer a asa de um sonho para este esconso vão de África onde o ngoma tece a palavra dos ídolos de pedra.
José Luís Mendonça – Escritor angolano – Livro: Olfactos do Afecto