
Coluna Existir e Resistir
Por Coluna Existir e Resistir -
Preguiça de falar sobre os males que o racismo causa
Estamos cansados de sermos obrigados a caminhar sob as sombras de um país que ajudamos a construir.
Estamos exaustos de parecermos minoria em todo lugar mesmo sendo a maioria dos seres humanos desse país. E sim, é importante destacar que somos seres humanos.
Estamos exaustos de justificar nossos cabelos e adaptar nossos traços em busca de aceitação.
Exaustos de esperar pelo carnaval para que nos tratem com respeito e até alguma cerimônia.
Exaustos de conferir inúmeras vezes se os documentos estão nos bolsos, de cuidar com a maneira de andar, de sentar, de falar e caminhar.
Cansados de levantar dos bancos nos ônibus para ceder à vez e o lugar.
Cansados de precisar andar em turma depois das 20 horas e evitar andar a pé nas ruas depois das 22 horas.
Cansados de dobrar o turno, jornada, as horas de estudo para sermos tratados por igual.
Cansados de explicar desde sempre que nos foi negada a posse da terra, o estudo, a liberdade, a existência e continuam nos negando tudo isso até os dias de hoje.
Cansados de escutar que “não precisamos da esmola das cotas”.
Cansados de ler nos livros da escola toda nossa história resumida à condição de escravos mansos, que não “descobriram” nada, que não “colonizaram” ninguém e nos vermos ilustrados em pinturas mal feitas de gente animalizada acorrentada, agrilhoada.
Exaustos de comemorar os bons atos de uma princesa em 13 de maio e ver Zumbi tratado como um Robin Hood pobre e seminu.
Aliás... Muito, muito cansados de ouvir descreverem tudo, absolutamente tudo de que precisamos desde que pisamos como escravos nessa terra abençoada e repleta de Pau Brasil.
Esvaímos-nos a um por um a conta gotas, através do esforço supremo de nos tornarmos grandes atletas, artistas ou profissionais honrando a política da meritocracia.
Escapando aos sem que nos percebam, falando baixo, disfarçados e bem comportados para nos tornarmos chefes de alguém, algum dia. Sem o direito de errar, porque se um de nós erra e todo ser vivente erra... Erramos em bando, sempre é coletivo e cotidiano porque afinal todos nós pretos “somos” assim.
Exaustos de ouvir piadas sobre a cor, os lábios, os cabelos ou o jeito de andar...
Cansados daquela frase: “ah, samba aí que eu quero ver”.
Exaustos da sutileza cruel do racismo estrutural brasileiro.
Aos milhares estamos presos, aos milhares violentados, aos milhares esquecidos em escolas públicas em meio a comunidades em guerra.
Aos milhares sem acesso a cultura, ainda que explorem a nossa.
Aos milhares sem direito garantido ao culto livre das religiões de matriz africana.
Aos milhões morrendo nas filas por causas de toda ordem e nesses dias tão incertos, somos também a maioria a adoecer e morrer de COVID19.
Aos milhares tomamos “dura” todos os dias dos seguranças privados, da polícia e das guardas municipais em Itajaí ou em qualquer município do Brasil.
Aos milhares, aos milhões e apesar de tudo, nosso pulso ainda pulsa. Seguimos a cada dia mais fortes, a cada dia mais pretos. Ainda que a pele tenha outro tom, quem é preto sabe, sente.
Muitas vezes caminhando perto do mal seguimos sobrevivendo nos guetos, de todo bem que só o gueto tem e não nos calaremos diante da violência ou das injustiças de toda ordem.
Todos que enxergam com os olhos ou com a alma deveriam caminhar conosco, não se faz um país melhor excluindo um povo que representa mais da metade da nação, não há construção de uma sociedade de bem, fora da justiça social.
Estamos cansados e exaustos há muitos anos, há muitas vidas perdidas atrás.
Autora: Maria Paulina Pereira da Silva