Crônicas da vida urbana
Por Crônicas da vida urbana -
As coisas só existem enquanto estamos olhando
Já deu muita literatura – de todas as qualidades – essa piração: as coisas existem sempre ou só quando as estamos olhando?! Daí em diante, qualquer delírio é possível, tipo achar que nada existe em momento algum, tudo é uma ilusão dos sentidos. Assim, o mundo e o universo não teriam existência real alguma, seriam um tipo de buraco negro fantasmagórico. Os conferencistas neoliberais deitam e rolam com esses paradoxos que, evidente, não levam a lugar algum – e assim, confirmam a tese nihilista...
Mas, quando se vive num momento como o atual, onde parece que o planeta se defende, devolvendo as agressões do ser humano – é inevitável procurar por uma escapatória, ainda que absurda e inconsequente.
Reconheço que a vida urbana atual é tão absurda que as ideias mais estapafúrdias parecem razoáveis. Depois de milênios de evolução – quer no sentido darwiniano, quer em qualquer outro – chegamos a isso?! A raça humana é incompetente para encontrar um caminho razoável e terminará num desastre, como os dinossauros?! Bem, não dá pra negar que, sem os bilhões de inconscientes na sua crosta, o planeta ficaria todo muito melhor...
Experimente, se puder. Por exemplo, quando tem jogo de futebol e está todo mundo babando diante das TVs, sair e dar uma passeada pelo bairro. Sem os humanos, o mundo é outro, a natureza respira aliviada sem as poluições e até parece que, um ou outro personagem que surja no cenário, não é rejeitado, não é agressivo e convive com o silêncio e a dignidade das outras espécies. Será que essas construções, esses carros estacionados, esses medonhos postes com centenas de fios sempre estiveram nesses lugares ou era só um pesadelo?! No entanto, a serenidade das árvores, a alegria dos bichos, o voo dos bandos de pombos da paz, a sobranceira alvura das nuvens, a carícia dos ventos – esses, nunca se vai duvidar, sempre estiveram onde estão e existirão para sempre... em que pesem os esforços destrutivos da raça humana.
Ou então, mais simples, sente no jardim e faça de conta que não existe. Ou que está dormindo e sonhando que o jardim está ao redor. As coisas – as tais de cuja existência estivemos duvidando - talvez acreditem. E vão ficar à vontade, vão se comportar sem as tensões e sem os medos inspirados por nós, senhores das guerras do mundo, competitivos moradores de apartamentos e condutores de carros.
O que se ganha com essa meditação? Absolutamente nada, e aí é que está, como dizia minha avó, o busílis: não é preciso ganhar coisa alguma, mas um mínimo de conforto de saber que não fazemos falta já é um lucro enorme.