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ELEIÇÕES

Políticos como Marçal vendem projeto de riqueza ultraliberal, diz Isabela Kalil

Antropóloga critica discursos de prosperidade que prometem luz no fim do túnel, mas não são possíveis para maioria

Agência Pública [editores@diarinho.com.br]

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Por Andrea DiP, Clarissa Levy, Claudia Jardim, Ricardo Terto e Stela Diogo

As eleições municipais deste ano escancaram um certo esvaziamento político, a ausência de propostas e o excesso de performances voltadas às redes sociais. Essa é a visão da antropóloga e uma das principais pesquisadoras da extrema direita no Brasil, Isabela Kalil, que conversa com o Pauta Pública.



Kalil fala sobre o crescente surgimento de figuras políticas que se mostram como outsiders, isto é, aquelas que buscam se distanciar de partidos e correntes políticas tradicionais para construir suas plataformas. Segundo ela, são também as mesmas figuras que fazem apelos à meritocracia, exaltando conquistas pessoais e acúmulo de riquezas, apesar de ao mesmo tempo não assumirem serem parte da elite que criticam. “É um discurso que dialoga muito como uma pessoa que trabalha ou que vive em condições precárias, que se sente explorado e com razão. No entanto, o que essas lideranças não dizem é que eles sim fazem parte da elite”, critica.

Na visão de Kalil, esses discursos acabam ganhando força entre “pessoas em situação precária, que veem nessas falas uma espécie de luz no fim do túnel para melhorar as condições de vida delas”, afirma, mesmo que essa saída não seja possível para boa parte das pessoas.


A pesquisadora alerta que os candidatos que promovem o individualismo e o discurso antipolítica, na realidade fomentam uma ideologia ultraliberal. Na visão de Kalil, o ultraliberalismo, por defender a atuação livre do mercado, sem intervenções governamentais, pode ser potencialmente catastrófico para países como o Brasil, acirrando as diversas desigualdades sem oferecer nenhum tipo de proteção social. “Qual é o interesse dessas organizações [privadas] em reduzir desigualdades ou representar setores da população que estão fora dos interesses do mercado?”, questiona a antropóloga.

Leia os principais pontos da entrevista e ouça o podcast completo abaixo.


[Andrea Dip] Você acha que a individualização da política não vem só da parte dos candidatos, mas também dos eleitores? As pessoas não pensam mais na política como uma coisa coletiva, mas votam a partir de pautas individuais?

Esse não é um fenômeno exclusivo da política. Inclusive, a gente pode pensar que existem diferentes formas para entender a força da extrema direita e da direita radical. Uma determinada linha de pensamento conecta esse fenômeno político com o momento que estamos vivendo, no capitalismo. Nesse caso, seria algo que basicamente nos leva a um processo muito mais amplo de desfazimento daquilo que nos une em relação ao comum, daquilo que é possível pensar de mobilização política.

A gente tem, ao mesmo tempo, uma crise de outras institucionalidades ou mediações como, por exemplo, sindicatos. Com isso, a política, de uma certa maneira, seria um sintoma que aproveita desse fenômeno. Seria uma perspectiva de atravessamento que tem a ver, inclusive, com a subjetividade. Com a forma como a gente demonstra nossos afetos, a forma como a gente se relaciona com as pessoas de maneira mais íntima, a forma como a gente participa ou não da vida comunitária. Seja vivendo em um condomínio ou lidando com o transporte público.

Então, acho que sim, é um fenômeno mais amplo, que não dá para olhar só para política. Porque quando a gente olha só pra política, tendemos a encontrar respostas como, por exemplo, a culpa é das plataformas digitais ou a culpa é da mudança tecnológica. É lógico que as mudanças tecnológicas têm um papel importante, mas não explicam só por isso. A gente tem que entender que existe, no caso dessa própria ideologia hiperindividualista, que ela tem a ver com uma perspectiva em relação ao Estado e em relação ao mercado, com tendências ultraliberais. […]

Estamos falando de uma visão do Estado, de uma visão da economia e de uma sobreposição e uma interferência daquilo que seria iniciativa privada, a lógica empresarial e a lógica do empreendimento, ela toma o lugar da coisa pública e daquilo que seria do Estado. Por mais que determinadas figuras determinadas possam dizer que não são nem esquerda nem de direita, quando elas performam na perspectiva do hiperindividualismo, elas estão performando uma ideologia ultraliberal.


[Andrea Dip] Os políticos auto rotulados de “outsiders” – ainda que sejam parte do establishment político há anos – parecem que vêm envolvidos em uma camada de entretenimento, de showmen. Como você vê isso?

Essas figuras dos outsiders acabam tendo muita afinidade com o discurso individualista, hiperindividualista. E aí são duas perspectivas: a primeira, que os outsiders que estariam fora da política e eles trariam uma solução do chamado mercado. Isso significa que, o que está por trás do que está sendo proposto, é uma substituição da capacidade técnica do Estado e uma diminuição da importância que o Estado como instituição, para ser de uma certa forma gerido por uma lógica empresarial. A perspectiva seria a seguinte, que todos os políticos e a classe política fazem parte de uma espécie de combo em que está o Estado, que é grande, ineficiente, demorado e muito custoso para a sociedade.

Com isso, seriam outros tipos de arranjo, que não passam por esse tipo de mediação relacionada ao Estado, com inovações da iniciativa privada, que poderiam resolver melhor essas questões públicas. Isso é muito perigoso, porque se a gente vai pensar, é claro que o podemos fazer um monte de crítica em relação ao funcionamento do Estado e ao aperfeiçoamento da máquina pública. Agora, uma outra coisa é propor essa lógica de ter o Estado como algo parecido a uma Startup com grandes inovações, tanto de pessoas do mundo do mercado quanto do mundo da tecnologia, quase como gerir a coisa pública como se fosse uma big tech.

Isso é complicado porque quando a gente vai olhar para um país que tem problemas sérios de desigualdade, das mais variadas, qual é o interesse dessa organização que não o Estado em conseguir reduzir desigualdade ou em conseguir atuar representado setores da população não estão encobertos por aquele interesse de mercado ou de consumo? No final das contas, isso resultaria em um processo de acirrar desigualdades sociais já existentes. No momento em que a gente tem situações como as catástrofes climáticas e o acirramento das desigualdades, a perspectiva de substituição do Estado, acho vale perguntar, a quem ela interessa? Eu não vejo dissociada essa ideia dos outsiders dessa perspectiva de substituição daquilo que seria um CEO, digamos assim, gerindo a coisa pública.

[Andrea Dip] Eu estava lendo algumas pesquisas sobre como as periferias, que historicamente votavam em partidos de esquerda, têm cada vez mais votado em partidos de direita/extrema direita. Isso também me parece um fenômeno transnacional. Fui em um congresso de direita, norte americano, do Partido Republicano e elas traziam justamente essa virada como uma grande oportunidade. Diziam que os votos da direita, nos Estados Unidos, têm vindo de imigrantes e de pessoas não brancas sem diploma. O que está provocando isso?


Essa mudança está presente nessa guinada do voto da periferia, para esses projetos e ao mesmo tempo, no apelo ao eleitor mais jovem. Inclusive, Marçal [candidato a prefeito da cidade de São Paulo] tentou fazer esse movimento, mesmo com uma relativa resistência das pessoas da cultura do funk e do trap. Mas ele fez esse movimento para tentar atrair tanto o voto mais jovem quanto os votos da periferia. Isso tem a ver com uma série de questões: primeiro que a direita radical e a extrema direita mobilizam muito um discurso de ‘nós somos antissistema. Eles são o sistema, eles são a elite’.

É um discurso que dialoga muito como uma pessoa que trabalha ou que vive em condições precárias, que se sente explorado e com razão. No entanto, o que essas lideranças não dizem é que eles sim fazem parte da elite. No final das contas, essa tentativa de jogar ‘eles são parte da elite’, acaba funcionando por mobilizar um sentimento de revolta, que ele é muito legítimo. Principalmente para as pessoas que trabalham em jornadas de 18 horas por dia, enfrentando horas de trânsito em deslocamentos em grandes cidades, correndo riscos, para ganhar salários que são muito baixos, para manter o capitalismo funcionando. […]

Quando a gente olha o discurso do Pablo Marçal, já que a gente está usando a cidade de São Paulo como exemplo, é exatamente esse discurso que ele mobiliza. ‘Eu era pobre, trabalhava, sempre trabalhei, dependia do meu salário, e eu fiz uma trajetória de ascensão social e me tornei rico. E é isso que eu vou oferecer porque eu tenho os códigos, eu tenho a fórmula para que você possa destravar a riqueza e alcançar a prosperidade.’

Isso acaba sendo um discurso que ele lida com questões que são muito concretas e muito legítimas da população. Então não dá para dizer que os eleitores estão errados em buscar melhores condições de vida. Mas é claro que esse projeto de enriquecer não é realista para os eleitores de maneira mais ampla. Mas tem aí um sentimento legítimo, porque a gente está falando, a partir de pesquisas etnográficas, de pessoas que querem ter condições mínimas de sobrevivência, minimamente dignas, como ir ao supermercado para fazer compras.

Muitas vezes, a gente tem aí um imbricamento que sim, tem pessoas que são investidores, que são ricas e que utilizam esse discurso e estão se mobilizando por uma perspectiva de ganância. Mas parte da população são de pessoas em situação precária, do ponto de vista de condições de vida, que veem nessas falas uma espécie de luz no fim do túnel para melhorar as condições de vida delas e de suas famílias.  

 




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