História de sabor e tradição
Destilaria artesanal de Itajaí fabrica uísque e outras bebidas premium
Produção limitada privilegia qualidade e atendimento personalizado em local aconchegante
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]
RENATA ROSA
Especial para o DIARINHO
Oritmo incessante de caminhões num dos bairros mais populosos de Itajaí esconde uma atividade rara: a fabricação artesanal de um produto que requer muita paciência, pois leva anos para ficar pronto. A destilaria Lord fica dentro de uma chácara remanescente de tempos mais tranquilos no bairro São João e produz três mil litros de uísque ao ano. O local atende pequenos grupos e se propõe a oferecer mais do que produtos de qualidade, mas uma experiência completa, rica em sabores, cores, sensações e muita história.
O mentor do projeto é o músico Leandro Maçaneiro, o Didi, de 40 anos, natural de Brusque. Ele começou a fabricar bebida em 2009, quando rolou um boom de abertura de cervejarias artesanais no Vale do Itajaí. Durante anos, Didi participou de festas típicas alemãs levando sua “fantástica fábrica de chope”. Para aperfeiçoar seus produtos, viajou até Munique, sul da Alemanha, berço das melhores cervejarias do mundo. Segundo ele, a bagagem como cervejeiro foi fundamental para aprender a fazer destilados.
“Para fazer uísque também são usados grãos de cevada, que são germinados e torrados para adquirir sabor, resultando no malte”, explica. A partir daí, os grãos são triturados e passam por várias etapas: cozimento, fermentação, dupla destilação, maturação, filtragem e engarrafamento. Todo este processo leva, no mínimo, três anos e um dia. “Este um dia pode levar uma eternidade, dependendo do sabor que se pretende dar à bebida, que tem a vantagem de poder ser armazenada por muitos anos, ao contrário da cerveja”, diferencia.
A destilaria Lord conta hoje com seis rótulos: Honey, Angelus, Young, Strong, Smoked e Machiatto. A bebida com sabor de mel nasceu em 2015, quando ainda era cervejeiro, mas foi por vias tortuosas. Era a primeira vez que ele abria o barril, após três longos anos de suspense. “Mas quando abri, que desapontamento! A bebida estava muito forte, mas aí eu lembrei do meu pai, que era garçom, e fazia infusões com semente de butiá. Imaginei se não ficaria interessante adicionar sabor e diluir o teor alcoólico; assim nasceu a Honey”, revela.
A segunda criação, à base de café, veio após uma imersão na atividade destiladora, em 2018, quando o músico ficou três meses viajando pela Escócia e Irlanda, e visitou cerca de 15 destilarias, aprendizado que se tornou um divisor de água em sua forma de fazer uísque. “Lá tem muitos templos que foram abandonados na época em que o rei rompeu com a Igreja Católica, dando origem à Igreja Anglicana. Visitei um que foi transformado num restaurante e bar. Beber naquele ambiente gótico foi quase uma experiência mística”, relata. O nome Angelus faz alusão à hora em que os sinos badalam, às 6h, 12h e 18h.
A última criação é o Lord Machiatto, um creme de cacau feito com chocolate belga e grãos de café Gesha, semelhante ao tradicional Baileys, licor cremoso criado na Irlanda em 1865. Servidos como aperitivo, os licores têm metade da graduação alcóolica do uísque, sendo indicado para quem gosta de bebidas leves sem abandonar o sabor encorpado.
Os preços das bebidas da destilaria itajaiense variam entre R$ 75 e R$ 160. No caso do uísque, com 40 graus de teor alcoólico, a versão mais jovem custa R$ 85, enquanto o envelhecido por cinco anos custa R$ 160.
Para conseguir um sabor mais complexo, Didi recorre a madeiras de árvores diferentes para os barris em que a bebida ficará repousando por mais de três anos. Para o rótulo Young, ele escolheu o jequitibá e o amendoim do norte, além do carvalho. “Lá na Escócia deram a ideia de buscar entre a flora local outras madeiras que pudessem conferir novos sabores ao uísque, já que por aqui não existem carvalhos em abundância como na Europa”, conta Didi, que também está testando um brandy de frutas locais, como acerola, banana e uva.
Sagas de família são inspiração para criar novos sabores
A atividade que requer destreza e paciência se consolidou durante os dois anos de pandemia, quando Leandro veio para Itajaí e se tornou pai após o nascimento da pequena Maria Clara. A companheira e professora Luciana, de 42 anos, não planejou a gravidez. E ainda por cima, foi um período difícil, com a mãe de Luciana diagnosticada com câncer. “A Maria Clara nasceu uma semana após minha mãe falecer, e nessa fase de elaborar o luto com a vinda de um bebê, o trabalho de Didi foi fundamental. Ele se tornou a alma deste lugar”, conta.
O lugar a que Luciana se refere é a propriedade que os pais herdaram dos avós no coração do bairro São João, na rua José Pereira Liberato, nas proximidades do supermercado Koch, cujo terreno também pertencia à família Weiss. “Minha infância foi brincando no meio das árvores, tinha de tudo aqui: galinha, porco, marreco. Frutas temos de todos os tipos, inclusive algumas que não se encontram no mercado. Minha vó sabia perfeitamente quando alguma árvore estava frutificando sem nem olhar. Era uma força da natureza!”, recorda.
Neste mesmo terreno havia um casebre abandonado utilizado como viveiro de pássaros, local emblemático que Didi se prontificou a reformar e revitalizar para instalar o tacho de cobre, onde faz a destilação do uísque e recebe pequenos grupos para degustação. A construção sólida, de madeira, pedra e concreto, não guarda a menor lembrança do velho barraco que continha até pedaços de trilho da velha estação de trem Santa Catarina. “Sabendo da importância histórica desse pedaço de ferro, fiz questão de incluí-lo no projeto, transformando-o em uma viga resistente para suportar o peso dos barris”, justifica.
A história familiar é tão rica que o músico deu um jeito de inseri-la em sua cartela de rótulos de vodca fabricada durante a pandemia, período em que a matéria-prima vinda da Escócia estava mais cara. Didi explica que a vodca tem a vantagem de não precisar envelhecer, então a fabricação é rápida. Assim, “vieram à luz” uma bebida de framboesa, fruto silvestre abundante no sítio da família Weiss, e outra de maçã verde, relativa ao seu sobrenome. “O nome ‘maçaneiro’ tem origem entre os coletores de maçã na região de Astúrias, na Espanha. O fruto é o verdadeiro ‘pomodoro’, maçã de ouro, símbolo de riqueza e prosperidade”, revela.
A Lord Destilaria atende grupos de visitação de até cinco pessoas com horário marcado, além de eventos. Para agendar, basta mandar um zap para (47) 99111-1413.