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Palpite sobre artes, com ênfase em canções


Historiadores das artes costumam relacionar volume e qualidade média da criação a períodos sociais de prosperidade, estabilidade e futuro promissor, condições propícias a séries cumulativas lineares da cultura. Isto se aplica bem à explosão da arquitetura, da música erudita, das artes plásticas e, particularmente, da música popular entre 1930 e 1954 – a Era Vargas.

Nesse período, o Brasil, antes governado por elites alienadas e oligarquias do atraso – que agora se restauram no poder – arremeteu com ímpeto, afirmou-se como nação orgulhosa, cultuou seus índios, seu barroco, as raízes africanas e europeias. Aí, teve de tudo: Niemeyer, Portinari, Di Cavalcanti, Villa Lobos, Mário de Andrade,, Cecília Meireles, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Bandeira e Drummond.

Mais: Pixinguinha, João de Barro, Noel Rosa, Lamartine Babo, Ari Barroso, Zequinha de Abreu, Lupicínio Rodrigues, Luiz Gonzaga, Dorival Caymmi, Jacó do Bandolim… O lirismo de “a lua, furando nosso zinco, palmilhava de estrelas nosso chão; tu pisavas nos astros distraída” (Orestes Barbosa); “parto, saudades levando, saudades deixando mudas caídas, lá perto de Deus… deixo a luz do luar em seu olhar” (Lamartine); “quando o verde dos seus olhos se espalhar na plantação, eu te asseguro, não chore não, eu voltarei” (Luiz Gonzaga). Ou “quanto a você, da aristocracia, há de viver eternamente sendo escrava dessa gente que cultiva a hipocrisia” (Noel Rosa).

O vigor do mercado brasileiro dando emprego a esse povo talentoso foi contido, na década de 1950: os norte-americanos levaram à falência os bons estúdios cinematográficos paulistas, compraram as principais gravadoras e despejaram aqui filmes de suas guerras, melodramas, jornalismo de propaganda e boleros, muitos boleros.

A introdução, com Tom Jobim, do estilo jazzístico da bossa-nova – e o acesso que propiciou ao mercado externo – levou a uma reação que coincidiu com a crise do governo João Goulart e o início dos regimes militares. Logo viria, nos anos 1970, nova etapa de enriquecimento cumulativo, estabilidade e afirmação nacional, anos de Geisel O tema dominante – foco das angústias da época – surgiu com a extensão às classes médias, da brutalidade institucional com que sempre foram tratadas as bases populares no Brasil -- em que pese a delicadeza de “numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo e com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo” (Toquinho).

Preservou-se, porém, a qualidade – não apenas o experimentalismo no cinema ou o popular elaborado de Geraldo Vandré, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento e Paulinho da Viola, mas também a recuperação de artistas antes retidos pelas barreiras sociais, de Cora Coralina e Carolina de Jesus a Cartola e Nélson Cavaquinho. Para quem o conheceu em sua simplicidade, é surpreendente a riqueza de escalas melódicas como a que veste essa metáfora: “A luz negra do destino cruel ilumina o teatro sem cor onde vou desempenhando o papel de palhaço do amor”. A imagem sinestésica tem antecedentes; aparece, por exemplo, em Polichinelo, cantada por Carmem Miranda em 1936 (Gadé/Almanyr Grego): “… porque tu tens, em tua fantasia, lindas cores das palavras que ele me dizia”.

O vazio das décadas de 1980 e 1990 foi preenchido quase sempre com réplicas de gêneros e estilos “internacionais”. A riqueza súbita das plantations e dos rebanhos projetou a burguesia xucra oriunda de um sertão onde as relações de classe permanecem brutais e intactas. Sua música é um pastiche do country e do rock, entoado em duetos – voz e falsete – de modo a gerar um som que lembra – nisso há eco de passado remoto - a sonoridade monótona das mesquitas.

Nos anos da Era Lula, repetiram-se condições objetivas para uma retomada cultural quantitativa e qualitativa: o Brasil voltou a ter um projeto seu, prosperidade temporária e conturbada esperança. Não houve, porém, explosão artística alguma.

É que a falência do modelo comercial baseado na venda de gravações em base física (daí, de parte da arrecadação de direitos autorais) coincide com acachapante globalização da estética, a voga das instalações e do improviso. Pulveriza-se a mídia. Mais do que em qualquer fase anterior, a cultura brasileira aloja-se, então, em espaços regionais e íntimos de samba, choro, frevo, maracatu, fandangos, capoeira, ritmos e formas-- artistas populares e eruditos que preservam uma riqueza enorme e esperam que a história volte a chamá-los ao palco.


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