Em geral
Por Em geral -
Militares, o lado B do disco
A história íntima dos regimes militares – e a análise do fenômeno do “militarismo dependente” – está ainda para ser escrita. O que se contou até agora foi a crônica dos generais e o relato trágico de uma luta fratricida.
As forças armadas sempre estiveram divididas em grupos e em níveis de comprometimento. No entanto, a regra em tais corporações, como nas igrejas, é que os que discordam se recolham e obedeçam, o que não exclui episódios em que a dissidência resulta em ostracismo, perseguição ou coisa pior.
O golpe de estado de 1964, tramado por civis, financiado por banqueiros, tocado por bacharéis e pela mídia, foi entregue, pronto, aos militares. Para convencê-los, estimularam-se, ampliaram-se e inventaram-se levantes de praças, na Marinha e no Exército. Quando houve o risco de não dar certo, uma mala de dólares convenceu o corrupto comandante do II Exército, Amaury Kruel. O fato foi comprovado, o dinheiro recuperado, o general afastado pelo primeiro presidente da série militar, Castello Branco quando o relógio já marcava outro tempo.
Os Estados Unidos deram suporte à conspiração com o discurso da ameaça comunista, a despeito de o Partido Comunista ter sido sempre, no Brasil, uma organização apoiada em classes médias, militares ou intelectuais, com penetração restrita nas massas de que se espera, em tese, ímpeto revolucionário. O trabalhismo, contra que se voltou efetivamente o golpe, ocupara esse espaço, sem jamais ultrapassar o nível de contestação das sociais democracias europeias – ou do Partido Democrata da época do New Deal.
A defesa dos interesses americanos no meio militar foi, o tempo todo – é, até hoje, – garantida por oficiais treinados e condicionados em centros no Panamá ou no estado da Geórgia: os operativos intransigentes e sectários, os troupiers, os da linha dura.
A despeito deles, a orientação dos governos militares foi sempre ambígua. O discurso privatista coincidiu com políticas como a criação do FGTS – Fundo de Garantia de Tempo de Serviço – que resultaram na criação de recursos para o pesado investimento estatal e estatista no então chamado milagre brasileiro, nos anos 1970. Suposta ameaça cubana serviu de pretexto para a implantação de tropas de selva que, na verdade, confrontam a ação subversiva de interesses do grande capital na região. Embora seja evidente que as políticas identitárias promovidas por ongs financiadas por fundações de nações ricas, refletem seus interesses imperiais -- conter o desenvolvimento econômico e o avanço tecnológico, aguçar conflitos raciais, religiosos e comportamentais – essas intenções foram sempre atribuídas pelos militares brasileiros ao comunistas, o que contempla a paranoia da propaganda ocidental.
Esse jogo de ambiguidade de nada valeu quando a crise do petróleo e a pressão dos segmentos nacionalistas levaram o governo Geisel a tomar medidas explícitas: trocas comerciais à margem do dólar com países do Oriente Médio, exploração das jazidas de óleo submarinas, ruptura do acordo militar com os Estados Unidos, implantação da indústria espacial e de defesa etc.
Talvez, no entanto, o que assustou os Estados Unidos e os levou a retirar o apoio ao regime militar brasileiro – e impulsionar a onda neoliberal que ainda hoje nos afoga – terá sido a recuperação para a agricultura de extensa área do cerrado e Centro-Oeste, cuja produção compete – e oferece alternativa e países como a China --, com a poderosa agroindústria dos Estados Unidos, base primária de seu poder econômico.