Em geral
Por Em geral -
O sonho vão de voltar no tempo
Trump é abominável, mas os eleitores foram espertos ao escolhê-lo. A alternativa seria eleger Hillary Clinton, com seu programa funéreo: promover a guerra nuclear “enquanto dá para ganhar” e levar adiante os acordos Transpacífico, Transatlântico e de Patentes, que agravariam a situação já complicada dos trabalhadores pobres norte-americanos, prisioneiros de uma sociedade de consumo sem os colchões sociais que existem na Europa e, mesmo, em países do Terceiro Mundo. Os Estados Unidos chegaram a essa situação ao se transformarem, de sociedade industrial, que eram há 70 anos, em sociedade pós-industrial de determinada espécie: nela, o poder real não é mais exercido por magnatas de corporações fabris comprometidos com produtos específicos e interesses nacionais, mas por agentes financeiros globais para os quais todas as mercadorias – bens de capital, de consumo, produtos agrários – foram substituídas por uma só, o dinheiro, que Karl Marx definiu como “a mercadoria das mercadorias”. Fábricas, fazendas, lojas, escolas, hospitais tornaram-se apenas ativos, apreçados e medidos pelo lucro. Para chegar a ser esse laboratório do marxismo dos banqueiros, controlado por um par de mandarinatos partidários, os americanos cumpriram etapas definidas: em 1956, com o acerto de Bilderberg, abriram seu mercado à indústria mecânica europeia e condenaram à lenta asfixia cidades como Detroit, que era a capital do automóvel fabricado para ser confortável, grande, macio, durar pouco e consumir muito; em 1973, cederam espaço à competência eletrônica de japoneses e coreanos, que precederam de décadas a atual invasão chinesa, plural e copiosa. Antes, em meados dos anos 1960, tentando conter a sangria da exportação de dólares, o Presidente Lyndon Johnson determinara a suspensão dos empréstimos de bancos americanos a empresas estrangeiras. O resultado foi a transferência maciça de investimentos para agências em paraísos fiscais nos quais se ancoram o crime organizado e a parte sombria do núcleo operativo do capitalismo financeiro. Eis uma lição para Trump, o anti-herói empenhado em rodar de volta os ponteiros do relógio e recuperar a hegemonia industrial perdida: numa economia de vasos comunicantes, o dinheiro, ente libidinoso, flui para onde mais pode reproduzir-se. E é ilusão pensar que se pode reter o conhecimento com a barreira legal de direitos e patentes. Contra Trump, o reacionário que trabalhadores apoiam, erguem-se, não tanto os progressistas – pessoal geralmente movido a boas intenções e, portanto, de fácil manobra –, mas a estrutura gestora da difusa e numerosa nobreza parasitária dos que vivem de dividendos e derivativos. Esta viciou-se em guerras, incorporou centros de ensino e os principais veículos privados de mídia, produziu as teorias convenientes e empolgou o poder psicossocial em escala planetária. Materializa em seu benefício o lema enunciado por Hanna Arendt: “Não importam os fatos, importam as versões”. Colam em Trump o padrão tosco de um Truman ou um Bush Jr., com o detalhe do domínio de palco. Não importa: ele é apenas o resultado de um processo. E, se está onde está, deve isso menos ao Partido Republicado do que ao Partido Democrata, que, para forçar a barra com Hillary, preteriu Bernie Sanders, político sensível aos sintomas de decadência da sociedade americana. Ele, inevitavelmente, teria vencido.