Em geral
Por Em geral -
A República dialética de Lu
Não direi o nome do país; é segredo. Mas Lu é o pai da pátria. Filósofo, oriental e, até por isso, bem moderno, passeou pelo mundo, estudou Lógica, Pragmática, Marx, Paulo Freire, Paul Grice, misturou tudo e temperou numa sopa já pronta de ideias de Confúcio.
A conclusão do sábio Lu foi que a democracia depende menos da forma de governo do que de regras subjacentes que comandem o círculo virtuoso da gestão pública. Cabe à Educação ensiná-las às pessoas, à Sociedade cumpri-las e ao Estado gerir para que se apliquem.
O princípio geral do pensamento de Lu é confuciano. “Ouvir atentamente, refletir antes de falar, responder com serenidade”, aconselha. “Dominar a raiva; não fazer apostas; resistir com bravura, mas jamais se vingar; compreender o mal para cortar-lhe as raízes. Em palavras e bens, praticar a moderação.”
Argumentei com ele que isso é um projeto moral, não político, mas respondeu que a política só tem sentido como projeção da moral na sociedade. “O comandante é o último na fila dos privilégios, aquele que pensa duas vezes nos seus caminhos antes de comprar um sapato”: esse compromisso exclui os vaidosos e os banqueiros. Cabe ao Estado “encarnar a esperança dos mais fracos e mais pobres e conter a ambição dos mais poderosos e mais ricos”.
A implantação do materialismo radical de Lu começa pelas escolas. Não existem exatamente séries, mas os estudantes de turmas avançadas, geralmente mais antigos, aprendem as manhas da dialética. Cabe a eles julgar os argumentos dos mais jovens e também dos professores. Cada vez que algum foge do tema em discussão para criticar o oponente, perde pontos; o mesmo quando valida sua posição por ser mais velho, mais forte, mais popular ou apoiado no senso comum. Em suma, são expostas e punidas todas as falácias e os raciocínios falsos – por exemplo, afirmar o consequente ou negar o antecedente em uma proposição – ou silogismo - condicional.
As duas matrizes do sistema de ensino são a evidência, que se faz em laboratório, no entorno e compulsando documentos; e os debates, que ocupam metade do tempo das aulas. Neles, hipóteses sobre o que não é evidente contrapõem-se até a proposição ou proposições que, temporariamente, se tomam, então, como verdade.
Na sociedade de Lu, debate-se muito. Não se pode afirmar o que não se acredita ser verdadeiro, dizer mais que o necessário ou o que é irrelevante. Nomes não carregam ironia ou desprezo. Linguagem obscura ou prolixa é descartada. Noticiários são compactos, livros têm menos páginas e algumas palavras perderam o sentido. Por exemplo, se se falar em “causa” de uma doença, o discípulo de Lu lembrará que toda doença decorre de uma fragilidade do doente; em “causa” de um fato histórico, que a narrativa constrói sequências que a vida confunde.
Para Lu, a contradição de classes, que gira em torno da produção de bens e de conceitos, não pode ser eliminada, porque resultaria em uma sociedade estática ou de evolução muito lenta, portanto vulnerável; mas deve ser posta em termos moderados, como tudo mais. Quanto a comportamentos humanos, o Estado deve envolver-se o menos possível: o casamento, por exemplo, foi substituído, em sua forma civil, por “contratos de comprometimento recíproco e gestão da prole” (natural ou legal), com prazo renovável, abertos a quaisquer grupos de cidadãos. Raças não existem, ninguém se orgulha de sua etnia ou despreza a dos outros e cuidar da vida alheia é considerado poderoso broxante.