Em geral
Por Em geral -
A interdisciplinaridade sem disciplinas e sem disciplina
A Base Curricular Comum do Ensino Médio proposta pelo Ministério da Educação e que está em vias de ser aprovada pelo Conselho Nacional de Educação materializa compromissos firmados pelo Brasil com BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento) e com o Banco Mundial após o impeachmente de Dilma Rousseff. O financiamento internacional contratado para a implementação do currículo, em fase final de aprovação no Senado. é pouco relevante (US$ 225 milhões, ou 15% do investimento previsto de US$1,5 bilhão), mas tem decisiva importância política porque subordina a aplicação dos recursos à avaliação por indicadores que serão “acertados entre o MEC e os bancos”. Reeditam-se este e outros dispositivos dos acordos MEC-USAID, implementados após o golpe de 1964. A reação causada na época foi intensa e está na raiz das agitações que levaram a forte repressão e ao Ato Institucional número 5, de dezembro de 1968. O paralelo entre os textos apoia-se em dados objetivos: tal como o MEC-USAID, a nova base curricular extingue o ensino obrigatório de Filosofia e de Sociologia (na década de 1960, “Estudos Políticos”) e concentra os cursos no domínio dos códigos – línguas (Português, inglês) e Matemática --, tratados como estruturas abstratas, excluído o instrumental crítico contido na Lógica e na semântica dos conceitos complexos (verdade, causa, liberdade etc.). A abordagem é funcionalista – centrada em competências, às quais se subordinam conhecimentos. Persevera nos conceitos de “curso terminal” e de “formação para o trabalho”. No primeiro caso, confronta a tendência de transferir habilitações profissionais para o terceiro grau; no segundo, pode-se considerar que privilegia a produção econômica em prejuízo da cidadania, questão conceitual básica. A divisão do conhecimento em “exatas” e “humanas”, que segmenta a sociedade letrada em compartimentos de saber que se ignoram, é mantida, com inédito escanteio das ciências da natureza e sociais, colocadas em segundo nível, como “itinerários formativos” eletivos e bastante maleáveis. Propõe-se a abordagem das tecnologias como instrumentos para as funções de codificação das linguagens léxica e matemática, em lugar de considerá-las primariamente com referência a sua contingência cultural (social ou psicológica) ou matrizes científicas. Na prática, a interdisciplinaridade, a transdisciplinaridade e a ênfase em competências, ao subverter a formação disciplinar dos docentes (por exemplo, em Física, Química, Biologia; ou em Letras, Comunicação, Artes), cria dificuldades na seleção e adequação de professores. Não é novo, isso, mas se acentua. No plano das estratégias, contrariam-se procedimentos crescentemente adotados desde a implantação do ensino público na Europa, no Século XIX, e que comprometem o tal pretendido “protagonismo juvenil”. É o caso do limbo a que se condenaram os conhecimentos da retórica clássica, em que se baseiam, até hoje, os discursos de convencimento que sustentam o poder – falácias argumentais e de raciocínio. Não se ensina os alunos (o público, a mídia, a sociedade) a debater racional e civilizadamente; na melhor hipótese, a ouvir, obedecer e crer. Como, então, pretender, de repente, o aprendizado dialético no modelo proposto?