Em geral
Por Em geral -
A alegoria mítica da serpente que morde o próprio rabo
Ouróboros ou Uróboro – a serpente vorás (no grego boros) que devora a própria cauda (oura, ura) é a representação mítica do eterno retorno, a elevação em movimento dinâmico de hélice ou parafuso em que, a cada passo, o ente que evolui está um pouco acima no hipotético eixo de ordenadas de um diagrama cartesiano. Antes de seu memorável discurso de 4 de abril, cercado pelos que o admiram e junto ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, onde começou a ser mais do que um torneiro mecânico, Luiz Ignácio visitou São Borja e consultou Getúlio Vargas, que ali repousa, entrado na História. Ouviram-se, o som e o eco. “Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado”, escreveu o velho líder, disposto ao martírio. “Quando a fome bater a vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. “Não adianta parar o meu sonho”, proclamou Lula, ao entregar-se a uma prisão de que, pelo ímpeto de seus adversários, jamais sairá vivo, “porque, quando parar de andar, andarei pelas pernas de vocês; quando parar de sonhar, sonharei pela cabeça de vocês e pelos sonhos de vocês” Fecha-se, pois, na retórica, o ciclo histórico: as faces da jararaca cravam-se firmes no evento trágico da cauda, há 64 anos. De Garanhuns a São Borja, o enlace abarca o país todo. O Brasil vive, nas últimas sete décadas, dois ciclos – duas materialidades da serpente de seu destino – simultâneos, paralelos, com pontos comuns, mas não coerentes: o da Prosperidade e Desenvolvimento Soberano, que veio de Getúlio. Jânio, e Geisel até chegar a Lula, e o da Igualdade e Ascensão Social, que, partindo do mesmo Getúlio chega ao mesmo Lula, via João Goulart e sobretudo, a legião dos anônimos. Se os dois ciclos do Brasil se juntassem em clamor harmônico, a virtude elevaria a velocidade dos ciclos ao limite e plenitude. Enfrentam, ambos, o contrapedal da conformidade, assentado no passado dependente e deslumbrado pelo discurso faustoso do império da vez. Dinheiro sem lastro, palácios frágeis, brinquedos sedutores e palavras enganosas; antagonismo de classes, o medo de perder espaço com a ascensão das massas. Porque sabem do perigo da harmonia dos ciclos em tão grande e portentosa orquestra, os que pedalam invocam fantasmas: ódios religiosos ancestrais, ressentimentos tornados insuperáveis. Em freadas bruscas, atiçaram forças poderosas que têm em comum a hierarquia, a unidade indispensável e o desprezo ao voto popular: clero, centuriões, judiciário. Erguem moinhos de vento: o calor global; o fim do mundo; a morte prometida das plantas e a secura das águas. Ícones de louça frágil: o próprio Jânio, inventado para impedir que um general juntasse os tais ciclos que não se podem unir; Collor, o caçador de marajás que continuam caçando agora. Um abortou em sete meses; o outro, em 34. Ainda assim, saltando rasteiras e cascas de banana, completou-se o ciclo e, pelos ditames da Lei da Evolução, outro o sucederá, mais forte, mais ambicioso. Por isso a forquilha retém e isola a cabeça da serpente e se afia o machado para decepá-la. O mundo, em volta, ferve.