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Coluna do Frei Betto

Por Coluna do Frei Betto -

Voltamos à inquisição?


O Tribunal de Justiça de São Paulo atendeu, a 20/10, pedido do Centro Dom Bosco e determinou que a ONG Católicas pelo Direito de Decidir não poderá mais adotar o termo “católicas” no nome. A ONG, que pode recorrer, tem 15 dias para modificar seu estatuto social e suprimir o adjetivo católicas sob pena de multa diária de R$ 1000.

Na opinião do relator, o desembargador José Carlos Ferreira Alves, não é “minimamente racional e lógico o uso da expressão ‘católicas’ por entidade que combate o catolicismo concretamente com ideias e pautas claramente antagônicas a ele”.

A Católicas pelo Direito de Decidir defende a lei brasileira, que admite o aborto em casos como estupro, risco de morte da gestante e anencefalia.

A decisão judicial coleciona uma série de equívocos. Primeiro, não cabe à Justiça civil determinar quem pode ou não se considerar católico. Esta é decisão de foro íntimo. Em tese, caberia à instituição eclesiástica, mas nem ela vai a tal limite. O Direito Canônico admite que um católico seja excluído da Igreja por professar, por exemplo, apostasia. Ainda assim nada impede que ele se considere católico.

Estamos de volta à Inquisição, quando direitos civil e religioso se confundiam? Ou o Tribunal de Justiça de São Paulo pretende imitar os tribunais nazistas por condenarem quem se assumia como judeu? Os desembargadores de São Paulo podem, sim, punir quem não cumpre a lei, mas exorbitam de suas funções ao prescrever quem é digno ou não de se considerar adepto de determinada confissão religiosa. Nesse andar da carruagem, daqui a pouco teremos juiz evangélico ordenando o fechamento de terreiros do candomblé pelo simples fato de considerá-los espaços do demônio.

Na lógica adotada pelos acusadores, não é a ONG que deveria ser alvo do Tribunal e do Centro Dom Bosco, e sim aqueles que formularam e assinaram a legislação que, no Brasil, permite o aborto em determinadas circunstâncias. Todos os parlamentares e juízes católicos que propuseram e oficializaram esta lei deveriam ser excomungados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, tal como a Católicas pelo Direito de Decidir.

No decorrer da história, a Igreja Católica nunca chegou a uma posição unânime e definitiva quanto ao aborto. Oscilou entre condená-lo radicalmente ou  admiti-lo em certas fases da gravidez. Atrás dessa diferença de opiniões situa-se a discussão sobre qual o momento em que o feto pode ser considerado ser humano. Até hoje, nem a ciência, nem a teologia tem uma resposta exata. A questão permanece em aberto.

Santo Agostinho dizia que só a partir de 40 dias após a fecundação, quando se pode falar em pessoa (unidade corpo-espírito). Assim mesmo para fetos masculinos, pois se considerava que a hominização do feto feminino exigia o dobro do tempo...

Santo Tomás de Aquino reafirmou que não se pode reconhecer como humano o embrião que ainda não completou 40 dias, quando então lhe é infundida a “alma racional”. Esta posição virou doutrina oficial da Igreja Católica a partir do Concílio de Trento (1563).

Santo Afonso de Ligório (+1787) admitia o aborto terapêutico, caso a vida da mãe corresse risco imediato.

No século XX, introduz-se novamente a discussão entre aborto direto e indireto. Roma passa a admitir o aborto indireto, em caso de gravidez tubária ou de câncer no útero.

O redentorista Bernhard Haering, um dos mais renomados moralistas católicos, admite o aborto quando se trata de preservar o útero para futuras gestações ou quando o dano moral e psicológico causado pelo estupro impossibilita a mulher de aceitar a gravidez. Nem a Igreja tem o direito moral de exigir de seus fiéis atitudes heroicas. É o que a ética chama de conflito de valores e deveres. E o próprio papa reconhece que, inclusive na questão do aborto, a responsabilidade moral pertence, em última instância, ao inviolável reduto da consciência humana e só pode ser julgado por Deus.

Embora a Igreja defenda a sacralidade da vida do embrião a partir da fecundação, jamais comparou o aborto ao crime de infanticídio e nem prescreveu rituais fúnebres ou batismo in extremis para os fetos abortados.

A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo retrata essa conjuntura autoritária na qual se encontra o nosso país, cujo presidente, católico rebatizado evangélico, contraria todos os preceitos bíblicos e exalta torturadores; anuncia que designará, para o STF, não um jurista competente, e sim “terrivelmente evangélico”; deputados e senadores se unem para confessionalizar a política; ministros e ministras se empenham em fazer coincidir a legislação vigente com a lista de pecados de sua confissão religiosa.

Só fica faltando a fogueira...


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