Crônicas da vida urbana
Por Crônicas da vida urbana -
Natal de novo...
Todos estamos carecas de saber: com o Natal, o país para e recomeça – se é que recomeça – depois do Carnaval. Pessoalmente, vejo duas outras conotações no período: uma mais triste, as sabiás do bairro entram em recesso e só voltam na primavera. Outra, totalmente positiva: vai todo mundo se empilhar nos litorais e fico à vontade numa cidade planaltina, sem filas, congestionamentos e até menos barulho de trânsito... Essa é a época em que lembro de um comentário do Seu Melo, quando ia à sua banca buscar meus gibis, nesse período: - Depois de Natal e Ano Novo, vem Carnaval, depois Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Namorados, Festas Juninas, Dia dos Pais, Dia da Criança e quando a gente se toca, está lá o Natal de novo, passou um ano e a gente nem percebeu. Grande verdade contra a qual não há como lutar. Mas é uma realidade perversa, que encolhe o tempo – mesmo pra quem não se liga nessas datas – e a gente envelhece numa velocidade espantosa. Faz parte desse mecanismo, a avidez capitalista, de começar cada vez mais cedo a nos atormentar com a obrigação, social e familiar, de dar presentes. Há poucas décadas, fim de ano era o momento de procurar calendários e agendas – como regra, eram gratuitos, e alguns ainda são – e enviar cartões de Boas Festas pelo Correio. Esses sim, se tornaram uma prática superada, no máximo se recebe alguns pela internet. Houve práticas que faziam parte da nossa pertença à cidade e que também se diluem rapidamente: sair de casa à noite para ver vitrinas decoradas, segundo fórmulas que hoje nos parecem ingênuas – mas nos marcaram como típicas de época, e tinham seu charme dirigido mais às crianças devotas de Papai Noel do que ao consumo de nefandos celulares e jogos eletrônicos alienantes. Presépios nos jardins – não há quase mais jardins nas nossas cidades adensadas e verticalizadas – e nas lojas, que faziam arcos sobre as ruas, promoviam a “chegada do Papai Noel” com desfile pelas ruas centrais, com abundantes sinos e “ho-ho-ho”. Presépios que eram um deslumbramento de luzes, inventividade para que as figuras tivessem movimentos, vegetação feita de “barba-de-velho” de árvores antigas, espelhinhos para representar lagos. Isso para além das figuras tradicionais da Natividade e alguns elementos tão anacrônicos quanto divertidos: trenzinho elétrico sob a Estrela de Belém, brasileiríssimos monjolos ao lado da gruta e assim por diante. Enfim, vocês entenderam: todas essas práticas deram lugar a um espirito comercial capitalista e esvaziaram os conteúdos religiosos e fantasistas da festa. Tenho pena das crianças que vivem nesse sem-gracismo mercantil, sem direito à alegria que seja desligada do consumo.