Argian estava com o rosto entre as mãos, corpo declinado para frente, em um banco de praça diante do lago Petrus. A cabeça, tomada pelas lembranças da noite anterior, dos dias antecedentes e, talvez, pelo passado com cargas eletrificadas, afastara o sono conciliador. O que imaginava ser espírito livre se transformara em perturbação. Assistia, com a experiência daquela campanha, que as coisas e o tempo não são dispensáveis, não podem ser eliminados da vida, dos caminhos, das palavras ditas, dos desassossegos. O tempo não morre, somente há!
O lago Petrus sempre foi calmo, tranquilo, como uma piscina natural. A luz do sol refletia o espelho d’água, pássaros brincavam sob o leito, o vento dava movimento à água, às folhas, às nuvens, à quietação. O ambiente inteiro trazia à tona o refúgio frente às desordens de pensamento que Argian carregava consigo. Vivera encenando personagens, criando estórias a enfrentar a vida; aventuras para suportar os dias. A vida inteira era sempre um parto em teatro.
A urgência teatral projetava a necessidade de controlar as estórias e lhe doar autoria à vida: fazia perguntas, construía as provas e apresentava a sentença. Viver era criar cenários sob seu controle, a falar sem demora e entrecruzar diálogos desconexos. Da infância relatava provocações. Argian, a cruzar nas veias realidade e coisas inventadas, tomava a água inexistente em um copo verdadeiro para saciar suas vontades.
O trabalho parecia um espetáculo com intervalos: a experiência poderia ser mais controlada sem o manejo da plateia. À medida que os intervalos eram completados pelo convívio, os roteiros e a vida de Argian eram encantados pelo público. Criava peças e encenações para se ter a adoração da plateia. Aos que sabiam do sangue nas veias, Argian trajava escafandros e capas de princesa para conviver. Para cada situação um traje.
Naquela tarde, o rosto confundido com as mãos, no banco de praça do lago Petrus, por longo tempo, tivera fragrâncias de autoconsciência, das posturas, dos despejos sociais. Naquela ocasião a vida, sem disfarces, sem palco, sem ser para si e sem diálogos como fragmento de uma peça teatral, se traduzia em dor, virulência, gritos, lhe corroíam a alma. O espelho d’água refletia suas fraquezas em tamanho gigante!
Enquanto vivia para si, tomando os outros como satélites de sua subjetividade, capaz de encenar sua força, nascia sempre de novo. Diante do lago Petrus estava a viver em fragilidades, lassidão, e até desânimo. O tempo entrava em seu corpo pelo ar, imortal, inevitável, inescapável. Argian queria viver de outro jeito, de modo mais simples, sem um mundo especial para poder estar. Aspirava o mundo que o lago Petrus lhe trazia.
Argian, estava a engolir tristezas e frustações, com gosto ruim na boca, uma trava na língua que não permitia o sabor de outros sentimentos. Na noite anterior estava triste, mas contava suas audácias; sob revolta, procurava transferir a dor sentida. Argian, que vivera na fantasia, acostumou-se em ser rainha. Agora resolver mudar: se candidatara ao cargo de Prefeito e venceu as eleições. Havia uma luta a ser vencida e desafios de todos os tipos a serem enfrentados. Conquistou para si a franquia de ter que fazer em nome dos outros sem se esquecer de si.