Ideal Mente
Por Vanessa Tonnet - Vanessatonnet.psi@gmail.com
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A ultraviolência cotidiana de Kubrick
Mulheres estupradas porque usam roupas curtas, homossexuais agredidos por assumirem sua identidade, crianças medicadas por serem agitadas demais, idosos hostilizados por não terem mais uma audição apurada... Na verdade, o motivo da agressão pouco importa, o essencial é poder criticar, julgar e externalizar a raiva, independentemente de quem seja o “alvo”.
No início da década de 70, Stanley Kubrick dirigiu o filme “Laranja Mecânica”, adaptado do livro homônimo de Anthony Burgess. Ele conta a história de Alex, um jovem rebelde e inteligente que, juntamente com um grupo de amigos, tinha por diversão praticar a “ultraviolência”. Esses jovens (todos homens) assaltavam casas, espancavam mendigos e estupravam mulheres por prazer, deixando claro seu cinismo e descaso para com os outros e a sociedade.
As agressões geralmente são direcionadas às minorias hostilizadas, sempre mudando seu público. Leprosos, doentes mentais, negros, homossexuais... Novamente, a minoria em questão pouco importa, desde que sempre haja um grupo para o qual todo instinto agressivo possa se voltar, contando com uma justificativa socialmente aceitável nas propostas de exclusão-inclusão social.
A notícia da adolescente estuprada por mais de 30 homens não parou de circular na mídia. Essa “ultraviolência” é reforçada pela cultura patriarcal e é o último ato do machismo. Afinal, quem nunca ouviu que lugar de mulher é em casa e não no trânsito ou no mercado de trabalho? E as famosas “cantadas de pedreiro”? A cultura da violência é tecida aos poucos, de modo que a mulher sente-se envergonhada por ser vítima de um sistema disfuncional.
O simples fato de justificar uma agressão é tentar “normalizar” uma situação ilegal. Não há justificativa para a intolerância e falta de respeito. A ultraviolência tratada em “Laranja Mecânica” reflete uma educação deficitária e uma desigualdade de gênero absurda. Desde o bullying ignorado na escola até o assédio sexual no trabalho, a sociedade precisa falar sobre o assunto, não apenas reproduzi-lo em campanhas nas redes sociais. É a ação que muda o rumo da intolerância cotidiana.