Colunas


Ideal Mente

Ideal Mente

CRP SC 19625 | Contato: (47) 99190.6989 | Instagram: @vanessatonnet

Uma lição de Drummond sobre a saudade


Uma lição de Drummond  sobre a saudade

Num festival literário Internacional de Itabira, organizado pelo incansável Afonso Borges, conheci a casa da infância de Carlos Drummond de Andrade, onde dormia, suas janelas, os ângulos de suas miradas para o pico do Cauê, que terminou desmanchado, infelizmente, pela extração do minério de ferro.

A cada entrada num novo aposento, a cada retrato doido de sua formação na parede, eu recitava baixinho seus versos como uma oração, tentando entender o que ele sentira a partir daquilo que podia enxergar de indícios sentimentais do lugar:

“(...) nasci em Itabira.

Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. Noventa por cento de ferro nas calçadas. Oitenta por cento de ferro nas almas. E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação. A vontade de amar, que me paralisa o trabalho vem de Itabira, de suas noites brancas, sem amores e sem horizontes.”

Entre os corredores do casarão, interrompendo meu cantochão, encontrei seu neto, o artista Pedro Augusto Graña Drummond, que é, assim como eu, filho de dois escritores, o argentino Manuel Graña Etcheverry e Maria Julieta Drummond de Andrade. Lançou-me um olhar açucarado e oceânico, que se afundava ainda mais em ondas pelo uso da boina. O término do transe mostrou-se providencial.

Talvez assistindo ao quanto caminhava melancólico pelas salas, pois os mensageiros sempre sabem a quem entregar as missivas do destino, Pedro Augusto me descreveu uma conversa emblemática com seu avô.

Quando havia perdido um amigo na juventude aos 21 anos e chorava copiosamente, Drummond o consolou dizendo que, a partir daquele momento, ele descobriria o que é o amor verdadeiro.

O neto então se defendeu:

Mas eu já amava o meu amigo.

O poeta de Itabira concordou:

O amava, porém agora vai amar ainda mais. Só a morte possibilita o amor puro, desinteressado, que continua existindo e crescendo sem receber nada em troca.

Era uma verdade. O luto é a maior resistência à afeição. Porque você não tem direito a receber mais nada do outro, nenhum abraço, nenhuma visita, nenhum colo, nenhum favor, nenhum apoio, nenhuma recompensa, simplesmente nada e segue amando-o infinitamente. É uma sobrevivência emocional feita exclusivamente do ato de dar, do gesto incondicional da oferta, descompromissada de segundas intenções, desvinculadas de benefícios diretos, desligadas de interesses egoístas.

A saudade anda para a frente, não para trás, como cremos. A gratidão do passado empurra a saudade para o futuro, para acrescentar sensações e impressões à amizade antiga.

Quando o contato é sincero, quando a intimidade é honesta, não se deixa de gostar de alguém após a despedida.

A emoção da primeira vez não cessa de renascer.

A perda, portanto, não traz um vazio. Traz tudo, menos um vazio. Você transborda de lembranças. Passa a apresentar uma hipersensibilidade, percebendo os mínimos tremores e arrepios do universo. Não é capaz de escolher o que sentir de tanto que sente, de tanto que está presente por dois.

O luto é isto: uma solidão a dois. Eu somente consegui me despedir de Itabira porque agora a carrego em mim.

 

"O luto é a maior resistência à afeição. Porque você não tem direito a receber mais nada do outro (...), e segue amando-o infinitamente”


Conteúdo Patrocinado


Comentários:

Deixe um comentário:

Somente usuários cadastrados podem postar comentários.

Para fazer seu cadastro, clique aqui.

Se você já é cadastrado, faça login para comentar.

ENQUETE

O que você achou do corte do banho e da comida a moradores de rua?



Hoje nas bancas

Confira a capa de hoje
Folheie o jornal aqui ❯


Especiais

Verde-amarelo em disputa e pautas "invertidas" marcam 7/9 antes de julgamento de Bolsonaro

SETE DE SETEMBRO

Verde-amarelo em disputa e pautas "invertidas" marcam 7/9 antes de julgamento de Bolsonaro

Malafaia usa Bíblia para transformar investigação em provação divina

Nos cultos

Malafaia usa Bíblia para transformar investigação em provação divina

Guerra no Congo e o silêncio da comunidade internacional diante de 10 milhões de mortes

CONFLITO INTERNACIONAL

Guerra no Congo e o silêncio da comunidade internacional diante de 10 milhões de mortes

Como lema da esquerda foi pego por bolsonaristas e virou mote no 7 de setembro

Anistia

Como lema da esquerda foi pego por bolsonaristas e virou mote no 7 de setembro

“Bolsonaro ainda é insubstituível”: antropóloga analisa os rumos da extrema direita

EXTREMA DIREITA

“Bolsonaro ainda é insubstituível”: antropóloga analisa os rumos da extrema direita



Colunistas

Ameaças a Jorginho serão investigadas

JotaCê

Ameaças a Jorginho serão investigadas

Sofreu acidente, perdeu o benefício? Entenda como transformar isso em aposentadoria antecipada e numa alta indenização

Direito na mão

Sofreu acidente, perdeu o benefício? Entenda como transformar isso em aposentadoria antecipada e numa alta indenização

Casa-cela?

Coluna Esplanada

Casa-cela?

Escalada do ódio político

Coluna Acontece SC

Escalada do ódio político

Mais de oito mil MEIs usaram o programa Juro Zero

Charge do Dia

Mais de oito mil MEIs usaram o programa Juro Zero




Blogs

Barco Brasil inicia a Globe 40

A bordo do esporte

Barco Brasil inicia a Globe 40

Importante

Blog do JC

Importante

⚖️ Hormônios em equilíbrio: um segredo a sua saúde!

Espaço Saúde

⚖️ Hormônios em equilíbrio: um segredo a sua saúde!






Jornal Diarinho ©2025 - Todos os direitos reservados.