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A execução do personal Guilherme Montani, em frente a uma academia e praça do centro, chocou Itajaí. Por que a suspeita ainda não foi presa?
Roney: Se trata de um caso bem complexo em que precisam ser averiguados diversos fatores. O sigilo é fundamental para que possamos ter êxito numa investigação. As diligências continuam, temos uma linha bem definida da investigação, contudo, estamos angariando mais elementos informativos, tornando o procedimento ainda mais robusto. Já conseguimos um canal de comunicação com a defesa e esse canal de comunicação é bem importante, porque a defesa se colocou inclinada a ajudar no que for possível e bem como a viabilidade de uma apresentação da principal suspeita. [Houve um planejamento para chegar na execução desse crime?] Nesse primeiro momento a gente trabalha com essa hipótese. E, sobretudo, quando paramos para analisar a forma como houve essa saída do local, tudo isso indica que foi algo realmente pensado. [Ela está com a prisão preventiva ou temporária decretada?] Algumas diligências a gente não pode, infelizmente, mencionar, até por uma questão de sigilo imposto por lei e dado à gravidade do caso. [Câmeras de segurança flagraram o crime?] Nós temos diversas imagens que foram colhidas e que já estão instruindo o procedimento. Foram diversos disparos que atingiram a vítima. Alguns não atingiram, vindo inclusive a atingir a parede. Foi uma ação em um horário em que há um movimento grande na região, causou um clamor grande, um desespero que tomou conta naquele momento. A ação realmente impactou bastante o nosso meio social. [A peruca encontrada foi usada para tentar uma descaracterização da suspeita?] Sim, nós temos ali já a convicção de que houve realmente a utilização daquele objeto, buscando desbaratinar a pessoa que teria agido. [Pessoas que viram o crime já foram ouvidas?] Sim, realizamos diversas oitivas bem reveladoras que ajudaram bastante a entender um pouquinho da dinâmica e a ação em si. [A defesa da acusada chegou a conversar com a polícia e negou a autoria do crime. Se não foi ela, ela já se colocou à disposição para prestar depoimento?] É o que estamos em tratativa no momento. Na verdade, nós fizemos contato com a defesa e estamos justamente discutindo essa possibilidade de uma apresentação por parte da cliente da defesa.
Em novembro completou um ano do assassinato do casal Ramiro e Susimara. Quando o senhor descobriu que o filho dela era o autor?
Roney: Foi outro crime que impactou bastante e teve repercussão nacional. Nós conseguimos algumas imagens que, de certa forma, os autores penso que não tinham convicção que seria possível conseguirmos. E, por meio dessas imagens, conseguimos ir traçando a rota após a saída do local. Na investigação, a rota estava indicando para o bairro em que o indiciado residia, até chegar à residência dele. Nesse ano conseguimos identificar e prender também o segundo suspeito. [As câmeras foram cruciais nesse caso?] As câmeras nos ajudaram bastante, mas foi bem difícil porque só dá distância da casa até a moto, porque sem um veículo fica muito difícil, só tinha uma bicicleta. Ambos estavam bem camuflados, uma dificuldade grande identificar. A partir disso, a gente colheu novas imagens, foram dois dias em campo, ininterruptamente, para angariar o máximo de imagens possível. [No caso do assassinato no morro do Matadouro, em que foi usado método micro-ondas, os autores desse crime bárbaro já foram presos?] Esses integrantes dessa facção resolvem, naquela região, impor suas próprias regras e muitas vezes estabelecendo um tribunal do crime. Esse caso foi um caso típico em que houve um decreto por parte da facção e a execução com requinte de crueldade. Tivemos uma cena bem parecida da vivenciada por um dos personagens do filme Tropa de Elite, em que os pneus são colocados na pessoa e se incendeia. Nesse caso, essa pessoa, um jovem com passagens policiais, que em tese teria tomado algumas atitudes no interior da comunidade que desagradaram alguns integrantes da facção e logo após eles promoveram esse tribunal e executaram. [E eles foram identificados e presos?] Sim, identificamos e efetuamos as prisões. [O tráfico continua entre as principais causas de homicídios em Itajaí; tivemos 17 neste ano?] Ano passado nós tivemos, durante todo o ano, 36 homicídios, sendo que a maioria atrelada à facção criminosa. Este ano nós estamos até aqui com 17 homicídios, sendo que a minoria está atrelada a decretos da facção criminosa. A gente percebe que essa redução é muito impactada por essas ações das delegacias especializadas, do trabalho preventivo, tanto da Polícia Militar como a Guarda Municipal. [Qual perfil da maioria dos crimes?] A maioria acaba incorrendo naqueles crimes de ímpeto. O último crime que tivemos foi um crime de ímpeto, em que houve uma certa rixa, uma rivalidade entre grupos, e a partir daí escalou para uma discussão. A gente tem aquele tipo de morte muito comum por meio de esfaqueamento ou outra arma branca.
Quais dessas facções estão presentes em Itajaí?
Roney: Hoje, nós temos aqui a principal facção criminosa estabelecendo um vínculo com outra facção que nasceu no Rio de Janeiro, que tem uma atuação também marcante em todo o Nordeste. Em Navegantes, nós pudemos estabelecer diversas operações já buscando enfraquecer essas facções. São operações que fazemos com uma certa constância, com isso você consegue desmobilizar e não permite que eles cresçam e dominem ainda mais o território. Nós efetivamos uma base no morro do Matadouro, buscando estar presente de maneira contínua. Essa base é ocupada pela Polícia Militar e pela Guarda Municipal, e permite uma incursão contumaz nas vielas buscando inibir essa prática delituosa que tanto assola que é a venda da droga. Nesse ponto, quando eu estava em Navegantes, no final de 2023, nós tivemos umas informações oriundas da inteligência de Florianópolis dando conta que dois líderes de uma facção de bastante relevo estariam residindo aqui na nossa região. Desencadeamos uma série de diligências, conseguimos identificar um desses líderes, chegamos até a residência dele, efetuamos a prisão, ele tinha mandado de prisão em aberto, e para nossa surpresa, ao levá-lo ao meu gabinete, ele espontaneamente resolveu colaborar e nós depois tivemos a confirmação daquilo que ele tinha dito. Ele era mandante de mais de 30 homicídios só naquele ano em um estado do Nordeste. Isso demonstra o grau de periculosidade de um indivíduo que estava aqui. [A liderança vem para o estado ou é formada aqui?] Temos as duas coisas. [Nesse caso, do Comando Vermelho?] Isso.
Como avalia os resultados da Operação Recomeço, criada pra melhorar a segurança no Matadouro?
Roney: A Operação Recomeço tem um papel fundamental nos bons índices que a gente vem reunindo este ano. E, nesse ponto, a gente também precisa salientar a atuação do próprio governo local. A Prefeitura de Itajaí é muito parceira no sentido de nos ajudar naquilo que precisamos, sobretudo de materiais. [Quais outras medidas o senhor acha que o município deve avançar e implantar além da questão policial e de segurança?] A ocupação por parte do Estado é necessária. Onde o Estado não atua, cria-se um vácuo e esse vácuo certamente será ocupado por forças negativas, por forças que de certa forma atuarão no sentido de cooptar jovens para que desempenhem atividades ilícitas. Quando você implementa projetos na área esportiva, educacional, tudo isso aí reverbera positivamente. [O Matadouro é o único local que preocupava ou temos outros locais?] Temos outros locais, mas até então o mais sensível era o Matadouro.
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"A Operação Recomeço tem um papel fundamental nos bons índices que a gente vem reunindo este ano"
A lei do feminicídio completou 10 anos. A classificação desse crime como tipo penal específico ajuda na prevenção, punição e resolução dos casos?
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Roney: O feminicídio, entrando nessa pauta, penso que a lei nº 11.340 foi um avanço muito grande. Óbvio que temos alguns críticos em relação a ela, por uma questão de desigualdade. Só que nós, operadores do Direito, precisamos, sobretudo, levantar a bandeira de que os desiguais merecem um tratamento desigual. A gente sabe que a violência doméstica é uma realidade. O feminicídio, hoje, é a maior pena no Código Penal. Ele deixou de ser uma qualificadora e virou um tipo penal autônomo. De certa forma, tende a criar uma consciência maior naqueles que pensam em ultrapassar as linhas legais. [SC ostenta o título de “estado mais seguro do Brasil”, mas os casos de feminicídio, que somaram 48 até novembro, desafiam a redução dos indicadores. Que medidas o Estado precisa adotar para garantir efetividade na proteção às mulheres?] Vivenciamos em nossa história momentos em que a mulher tinha a sensação de ser um objeto do homem. Isso já ficou para trás. Havia crimes que ocorriam e que o Estado não tomava ciência, porque as vítimas não levavam a conhecimento do Estado. Hoje se fala muito, porque muitas mulheres perderam o medo e estão levando o problema até as autoridades [que] estão agindo e buscando dar as respostas necessárias. [Como o senhor analisa o avanço do Código Penal brasileiro?] Eu sou alguém que costuma não ser tão crítico às nossas leis penais. Temos um arcabouço jurídico bom. O que dificulta, por vezes, é a aplicação dessas leis. Esse ponto precisamos estabelecer melhor. Eu tenho essa obrigação moral de viver em uma sociedade em que os nossos filhos possam sair e voltar em segurança. Essa é a nossa meta.
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Como que o senhor acompanha o sistema prisional brasileiro? Ele tem feito a ressocialização?
Roney: Eu recebi esses dias, não vou citar nomes, na minha rede social, e isso me emocionou bastante. Essa pessoa falou: “já te odiei um dia, já quis inclusive te matar, mas hoje eu sou muito grato, porque, de certa forma, me chamou para uma realidade que eu tava vivendo e não iria me levar um lugar bom”. Óbvio, ela se dirigiu a mim, porque eu presidi aquela investigação. Só que o que ela estava querendo dizer é que o próprio sistema atuou para que ela pudesse ter essa conscientização. E, curiosamente, está cursando hoje a faculdade de Direito. Olha a guinada. Algo realmente que deixa a gente feliz. A gente queria que não tivesse crime nenhum pra não atuar. Era a sociedade perfeita. Mas, quando a gente tem esse tipo de situação, pode perceber que aqui, localmente falando, tem um sistema que tem buscado essa ressocialização. Eu menciono aqui os colegas da Polícia Penal, também uma polícia que tem ajudado muito com inteligência, com atuação internamente. Isso tem sido também bem significativo para a gente ter os bons números. [A gente tem projetos específicos de ressocialização, tanto em Itajaí quanto em outras regionais, mas não são regra no sistema brasileiro como um todo?] Se a gente analisar a situação do Brasil, ela causa um desânimo. Por isso tantas pessoas vêm para cá. Nós temos hoje a média de resolução, por exemplo, de homicídios, que é a minha matéria, menos de 40% no cenário nacional. Alguns locais, 13% de resolução. Se a gente olhar para a Bahia, Rio de Janeiro, você tem 23%. Eu vou me permitir fazer um comentário aqui que eu falo pouco. Hoje eu estou na delegacia de homicídios e tenho uma fé grande. Eu acho que nada é por acaso. Eu agradeço muito a Deus por estar hoje na delegacia de homicídios, porque aos 19 anos eu perdi meu pai assassinado no Rio de Janeiro. O autor nunca foi responsabilizado. Hoje, se eu estou sentado aqui nesta cadeira conversando com os senhores, é muito por conta da atuação do meu pai e ao lado da minha mãe, que me deram toda a orientação, suporte, batalharam para que eu conseguisse vencer.
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