Colunas


Em geral

Por Em geral -

De trincheiras e alianças


“Como nas trincheiras da Primeira Guerra, quem levanta a cabeça perde o pescoço”, comentava um  velho amigo de colégio, lembrando coisas de tempo antigo.

Não costumo, porque me faz mal, ler textos sobre os anos da ditadura militar que me atropelou antes dos 30 anos. Tornei-me, então, observador atento da marcha do trem que passou por cima de  esperanças, sonhos, colegas e amigos. Guardo o que ficou na memória do que apurei como jornalista nas melhores fontes da época. É o que sei.

O golpe militar, em 1964, foi o desfecho da conspiração que rondava os quartéis desde a emersão da vertente autoritária da política norte-americana, escondida na era Roosevelt. Esses americanos acreditam que são os únicos certos e que os demais, estando errados, se parecem; devem, pois, ser exterminados. Apossaram-se do conceito abstrato de democracia, aplicaram-no a suas escolhas políticas, éticas e morais e colocaram o contraditório - trabalhismo, sindicalismo, socialismo, comunismo, islamismo etc. - no mesmo saco. Espertos, eles.

Para o golpe,  investiram no segmento militar que se opunha à tradição legalista de que foi expoente o Marechal  Teixeira Lott. Alguns  divergentes eram guerreiros sem causa; outros, propunham a rápida modernização conservadora do país e contavam com um fundo a ser criado, o FGTS.

Mas, do ponto de vista dos gringos que regem o espetáculo (a essa altura, dominavam a indústria cultural, a rede bancária privada e investiam nos meios acadêmicos e jurídicos), se o trabalhismo (ou sindicalismo) não prestava, o nacionalismo também não.

Combateu-se, então, em duas frentes: uma em que se emporcalharam as forças armadas brasileiras ao assassinar prisioneiros sob o argumento de que lutavam uma “guerra suja”; outra, em torno da adoção de políticas econômicas soberanas, defendidas, a certa altura, pelo General Albuquerque Lima, Ministro do Interior e pré-candidato preterido à presidência da República.

A escolha de seu opositor, Garrastazu Medici, coincidiu, talvez por acaso, com a ampliação da maré repressiva pós AI-5, cada vez mais destrambelhada, dando espaço a facínoras como o Brigadeiro João Paulo Burnier (“um insano mental”, escreveu Eduardo Gomes), que pretendera explodir o gasômetro do Rio de Janeiro para culpar “os comunistas”. A perseguição a dissidentes passou a ser um negócio de sádicos, financiado e apoiado por grupos financeiros e empresariais;  estendeu-se a personalidades e coletivos urbanos simpáticos ou não à guerrilha, por critério ideológico.

A turma que, meu amigo diz, não levanta a cabeça para não perder o pescoço moveu-se. então, e o General Médici, que presidia o corrupto matadouro, não conseguiu impor o sucessor de sua escolha.

Ernesto Geisel retomou a política externa proposta por Jânio Quadros, rompeu o acordo militar com os Estados Unidos, iniciou a exploração do petróleo marítimo e estabeleceu vínculos comerciais diretos com países petrolíferos do Oriente Médio, entre outras medidas que ninguém supunha fossem possíveis.

Geisel sabia, claro, em linhas gerais do que se passava nos centros de tortura e extermínio - era um segredo de polichinelo.  Ao ser informado do número exato de “subversivos” (era essa a palavra que usavam) mortos naquele ano,  consolidou essa operação e a subodinou ao Serviço Nacional de Informações, chefiado pelo General João Baptista Figueiredo, seu homem de confiança e que o sucederia na presidência.

Comandante esperto só dá ordens quando tem certeza de que serão cumpridas. Pouco depois, ao proibir execuções em quartéis, Geisel já consultara ocupantes de postos-chaves das Forças. As execuções do jornalista Vladimir Herzog (em que se forjou um suicídio) e de Manuel Fiel Filho, líder operário católico, caracterizaram a insubordinação e permitiram-lhe conjurar a conspiração que se opunha à abertura política projetada; o grupo afastado - a “linha dura” - passaria a atuar como oposição em sucessivos atentados.

Há pouco, divulgou-se com estardalhaço telegrama da CIA que atribui a Geisel autorização expressa para execução de opositores, mesma versão que corre há anos.

Não acredito porque não faz sentido.

Prefiro atribuir essa história ao temor de uma aliança que se institua em nome da unidade e soberania da nação.


Comentários:

Deixe um comentário:

Somente usuários cadastrados podem postar comentários.

Para fazer seu cadastro, clique aqui.

Se você já é cadastrado, faça login para comentar.

Leia mais

Em geral

Nazismo

Em geral

Meias verdades são mentiras interesseiras: o caso Geisel

Em geral

A geopolítica da guerra ideológica

Em geral

Opinião pública - o caminho (das pedras) dos livros

Em geral

O ensino da razão e a multidão emotiva

Em geral

Um país colorido virado em preto e branco

Em geral

Amazônia: ninguém devasta aquilo que preza

Em geral

A narrativa e suas fraudes

Em geral

O império e suas armas - Terceira parte (a guerra do Brasil)

Em geral

O império e suas guerras - segunda parte (A metamorfose)

Em geral

O império que nos domina: 1 - O começo

Em geral

A resistência pela ataraxia, e o que nos leva a ela

Em geral

O ódio instrumental e a ordem perfeita

Em geral

Os dois nacionalismos brasileiros

Em geral

Por uma nova direção

Em geral

Um papo com o general

Em geral

A universidade e o desmonte de tudo

Em geral

A milícia ascende ao planalto

Em geral

A nossa república de Vichy

Em geral

Sobre ensino básico



Blogs

A bordo do esporte

Resultados do Circuito Mundial de Bodyboarding

Blog do JC

MDB faz desagravo pela filiação do Renato Cruz

Blog da Ale Francoise

Sintomas de Dengue hemorrágica

Blog da Jackie

Cafezinho na Brava

Blog do Ton

Amitti Móveis inaugura loja em Balneário Camboriú

Gente & Notícia

Warung reabre famoso pistão, destruído por incêndio, com Vintage Culture em março

Blog Doutor Multas

Como parcelar o IPVA de forma rápida e segura

Blog Clique Diário

Pirâmides Sagradas - Grão Pará SC I

Bastidores

Grupo Risco circula repertório pelo interior do Estado



Entrevistão

Entrevistão Peeter Grando

“Balneário Camboriú não precisa de ruptura, mas de uma continuidade”

Juliana Pavan

"Ter o sobrenome Pavan traz uma responsabilidade muito grande”

Entrevistão Ana Paula Lima

"O presidente Lula vem quando atracar o primeiro navio no porto”

Carlos Chiodini

"Independentemente de governo, de ideologia política, nós temos que colocar o porto para funcionar”

TV DIARINHO




Especiais

NA ESTRADA

Melhor hotel do mundo fica em Gramado e vai abrir, também, em Balneário Camboriú

NA ESTRADA COM O DIARINHO

6 lugares imperdíveis para comprinhas, comida boa e diversão em Miami

Elcio Kuhnen

"Camboriú vive uma nova realidade"

140 anos

Cinco curiosidades sobre Camboriú

CAMBORIÚ

R$ 300 milhões vão garantir a criação de sistema de esgoto inédito 



Hoje nas bancas


Folheie o jornal aqui ❯








MAILING LIST

Cadastre-se aqui para receber notícias do DIARINHO por e-mail

Jornal Diarinho© 2024 - Todos os direitos reservados.
Mantido por Hoje.App Marketing e Inovação