Colunas


Em geral

Por Em geral -

A narrativa e suas fraudes


Desde a informação (e orientação) que chega aos médicos por via de publicações mantidas por fabricantes de drogas e equipamentos (valorizando, pois, o tratamento sobre a prevenção e a sofisticação tecnológica que, no caso, amplia custos) até preceitos códigos legais e itens embutidos na pregação de partidos políticos “de esquerda” e “de direita”, a convergência de interesses constrói a imagem de uma dominação global que, quando percebida, se torna asfixiante e, suspeitada, gera infinitas teorias conspiratórias. As “crônicas” -- do grego “cronos”, tempo --, registros de eventos diários nas cortes dos tempos antigos, não fazem, em si, qualquer sentido além do de suas partes: servem apenas para indexá-las. Os fatos, vistos de alguma perspectiva (do caçador, da caça; do jogador, da plateia) precisam, no entanto, ser selecionados, ordenados por critério lógico, confrontados e articulados com outros registros para constituir conjunto inteligível -- portanto, capaz de ser narrado. Em tese, é dos fatos que se extraem as verdades conceituais: por exemplo, de muitas mortes, os conceitos de morte, da finitude da vida e do mistério da eternidade para os homens. No entanto, no mundo real, os fatos, coletados em grande número, são frequentemente contraditórios: podem indicar, por exemplo, que a Idade Média foi um período de obscurantismo entre o apogeu romano e o Renascimento europeu ou que, nessa mesma Europa, foi a fase de acumulação em que, a partir do seculo VIII, impôs-se o conflito entre cristãos e muçulmanos, gestaram-se as instituições da modernidade e se incorporaram tecnologias instrumentais vindas do Oriente -- assim pareceu a Henri Pirenne, na década de1910, e hoje é a interpretação mais difundida. Não há relato sem interpretação ou fato relevante que não se agregue a versão da realidade. Daí a subversão do método indutivo -- ir da versão ao fato e não o contrário -- ser a estrutura sintática e o recurso retórico com que se constituem as narrativas na tradição clássica. Apresenta-se a versão e listam-se os fatos que a corroboram. Assim constroem-se os parágrafos, quer na reportagem dos magazines quer nos textos acadêmicos Os objetivos ou intenções reais de quem conta a história raramente são expressos; podem-se apresentar versões contraditórias, mas o padrão retórico -- e a expectativa dos receptores -- é que uma prevaleça . É comum encontrar relatos com “outro lado” inventado ou irelevante, tanto quanto a omissão de fatos inconvenientes Pelo Tratado de Methuen, de 1703 , Portugal, em busca de aliança militar, comprometeu-se a consumir tecidos ingleses em troca do privilégio dos vinhos portugueses no mercado da Inglaterra. Como a indústria têxtil foi o suporte da Revolução Industrial, isso resultou em desequilíbrio que condenou Portugal, em longo prazo, ao declínio, e fez da Inglaterra, por mais de um século, destino final do ouro extraído das minas do Brasil. No entanto, em livros-texto populares norte-americanos, o prejuízo português minimiza-se e o negócio parece quase equilibrado, porque se mencionam as exportações, de produtos cerâmicos portugueses -- essencialmente, belos ladrilhos, -- simulando compensação. A intenção, sugerida também na crítica de outros relatos, seria ocultar a natureza espoliativa do imperialismo inglês, de que o imperialismo americano descende. O mesmo no caso da guerra movida por Argentina, Brasil e Uruguai (a Tríplice Aliança) contra o Paraguai, na segunda metade do Século XIX. Podem-se separar os eventos em duas sequências. Na primeira, o Brasil intervém militarmente no Uruguai; o Paraguai, cumprindo tratado de defesa mútua com os uruguaios, invade o Oeste brasileiro, então despovoado, e avança quase sem resistência. Na segunda, após a consolidação do goveno uruguaio e o retorno do grosso das tropas do Paraguai a seu território, os aliados partem para uma campanha na qual se utilizam grandes exércitos, armas modernas e a melhor tecnologia disponível, até a ocupação total do Paraguai, que resistiu bravamente, e o extermínio de suas ultimas tropas de reserva, constituídas de crianças. Essa segunda etapa, com os custos envolvidos, só seria exequível com apoio e financiamento -- no caso da Inglaterra, que tinha a ganhar, quer com o encalacramento dos paises vencedores (o Brasil ensaiara, com o Barão de Mauá, um ciclo de desenvolvimento autònomo), quer com a liquidação do Paraguai, ponto fora da curva com sua indústria siderúrgica e modos de produção comunitária, oriundos da cultura guarani, provavelmente via reduções jesuíticas. De tempos em tempos, aparecem aqui missões de historiadores norte-americanos, portadoras de “fatos novos”, para dizer que não foi assim. A tragédia paraguaia se igualaria àqueles conflitos de muitas batalhas ferozes de centenas de cavalarianos que prenchem os relatos das quase folclóricas, porque financeiramente modestas, “guerras do Prata”.


Comentários:

Deixe um comentário:

Somente usuários cadastrados podem postar comentários.

Para fazer seu cadastro, clique aqui.

Se você já é cadastrado, faça login para comentar.

Leia mais

Em geral

Nazismo

Em geral

Meias verdades são mentiras interesseiras: o caso Geisel

Em geral

A geopolítica da guerra ideológica

Em geral

Opinião pública - o caminho (das pedras) dos livros

Em geral

O ensino da razão e a multidão emotiva

Em geral

Um país colorido virado em preto e branco

Em geral

Amazônia: ninguém devasta aquilo que preza

Em geral

O império e suas armas - Terceira parte (a guerra do Brasil)

Em geral

O império e suas guerras - segunda parte (A metamorfose)

Em geral

O império que nos domina: 1 - O começo

Em geral

A resistência pela ataraxia, e o que nos leva a ela

Em geral

O ódio instrumental e a ordem perfeita

Em geral

Os dois nacionalismos brasileiros

Em geral

Por uma nova direção

Em geral

Um papo com o general

Em geral

A universidade e o desmonte de tudo

Em geral

A milícia ascende ao planalto

Em geral

A nossa república de Vichy

Em geral

Sobre ensino básico

Em geral

As serpentes reencarnadas



Blogs

A bordo do esporte

Fórmula E celebra Dia da Terra

Blog do JC

Cabeça ilustrada, emplumado

Blog da Jackie

Sem Spoilers! Corre lá no blog

Blog da Ale Francoise

Cuidado com os olhos

Blog do Ton

Amitti Móveis inaugura loja em Balneário Camboriú

Gente & Notícia

Warung reabre famoso pistão, destruído por incêndio, com Vintage Culture em março

Blog Doutor Multas

Como parcelar o IPVA de forma rápida e segura

Blog Clique Diário

Pirâmides Sagradas - Grão Pará SC I

Bastidores

Grupo Risco circula repertório pelo interior do Estado



Entrevistão

Juliana Pavan

"Ter o sobrenome Pavan traz uma responsabilidade muito grande”

Entrevistão Ana Paula Lima

"O presidente Lula vem quando atracar o primeiro navio no porto”

Carlos Chiodini

"Independentemente de governo, de ideologia política, nós temos que colocar o porto para funcionar”

Osmar Teixeira

"A gestão está paralisada. O cenário de Itajaí é grave. Desde a paralisação do Porto até a folha sulfite que falta na unidade de ensino”

TV DIARINHO

Uma briga de vizinhos terminou em confusão no bairro Cidade Nova, em Itajaí. A Polícia Militar foi chamada ...




Especiais

NA ESTRADA

Melhor hotel do mundo fica em Gramado e vai abrir, também, em Balneário Camboriú

NA ESTRADA COM O DIARINHO

6 lugares imperdíveis para comprinhas, comida boa e diversão em Miami

Elcio Kuhnen

"Camboriú vive uma nova realidade"

140 anos

Cinco curiosidades sobre Camboriú

CAMBORIÚ

R$ 300 milhões vão garantir a criação de sistema de esgoto inédito 



Hoje nas bancas


Folheie o jornal aqui ❯








MAILING LIST

Cadastre-se aqui para receber notícias do DIARINHO por e-mail

Jornal Diarinho© 2024 - Todos os direitos reservados.
Mantido por Hoje.App Marketing e Inovação