Colunas


Em geral

Por Em geral -

Por uma nova direção


Há duas maneiras opostas e comuns de manipular conceitos. Uma é generalizar, quando se diz “as forças armadas”, “o Judiciário”, ou “o povo brasileiro” e atribui ao conjunto designado por essas expressões característica ou comportamento de alguns militares, bacharéis ou brasileiros.

A outra maneira, menos perceptível, é particularizar um conceito “quase abstrato” - em termos lógicos, não função ou proposição atribuída a algum ente, mas atributo de um conjunto de funções sujeitas a condições específicas. Um exemplo seria limitar a versos rimados a condição de “poesia” ou reduzir “beleza” a padrões estéticos da moda, qualquer uma.

É o que fazem com “democracia”.

A palavra grega - povo+poder = governo do povo - já não tinha sentido claro quando os sofistas amealhavam fortunas ensinando os homens ricos a operar no espaço ambíguo entre o verdadeiro e o verossímil para convencer assembleias que se reuniam nas praças das cidades helênicas. Foi sob a ditadura de Péricles (460a.C. - 429a.C.), não por acaso descrito como “populista” pela moderna historiografia ocidental, que Atenas viveu seu apogeu. O erro, em parte, é confundir “poder” e “governo”, ambiguidade contida na raiz grega “cratos”: ainda que o povo tenha poder - tanto que mesmo a tirania depende de um contato social -, governar não é algo de sua natureza.

Definir “democracia” é tão difícil quanto definir “poesia” ou “beleza”. Pode-se afirmar, no entanto, que não é forma de governo, mas atributo de formas de governo que atendem a imposições éticas, sociais e políticas vinculadas a valores transcendentes que se especificam em cada espaço e tempo. Isso não é uma definição, é o recorte de fronteiras vagas, balizas da inteligência.

Haverá, assim, democracia na tribo em que o poder se distribui entre as mulheres, o conselho de anciãos, o cacique e o pajé, tanto quanto em um Estado formalmente autoritário, no qual, no entanto, se cultivasse a paz e a decisão negociada dos grandes e pequenos problemas. Mais ou menos democracia, conforme o caso. Em ambos os casos, há registros históricos.

O conceito moderno de democracia foi criado após o Renascimento europeu, no contexto do Iluminismo, quando se supunha que a razão guia os homens, e, pois, bastaria esclarecê-los; comprovou-se, depois, que ela serve para moderar, compor e viabilizar desejos decorrentes de impulsos básicos e da vocação gregária da espécie. Regime democrático deve ser, hoje, entendido, não como expressão pétrea da vontade da maioria medida em votos - entre outras razões porque estes resultam de decisão momentânea, sujeita a controle por inibição e estímulo dirigidos -, mas como aquele que necessariamente atende aos interesses difusos da coletividade, com o consentimento da maioria e a adesão de boa parte dela. Há constituições escritas e tradições culturais que expressam tais interesses.

1. Como “beleza” ou “poesia”, a palavra “democracia” presta-se bem à propaganda, porque imprecisa: está no nome da Coreia do Norte e da aliança dos latifundiários e do partido golpista no Brasil pré-1964. Resiste a construções adversativas: os Estados Unidos proclamaram ideais da Revolução Francesa, no século XVIII, embora os escravos, e se propõem desde então modelo democrático único, apesar do extermínio das nações indígenas por ações estratégicas do Estado, no Seculo XIX; da implantação de um sistema de castas étnicas que perdurou até a década de 1960, quando começou a erodir, mas não de todo; e do uso intensivo da tortura e da violência contra pessoas que atrapalham e pequenos países eleitos como inimigos.

No atual caso brasileiro, a questão a ser considerada é a sobrevivência da nação e, com ela, a razão de haver democracia. Somos um povo mestiço, e, à falta de referência étnica, a noção de pátria que temos se agarra à soberania. Como a estamos perdendo - e já não resistimos minimamente à vassalagem -que nos resta? Sem nação, o que seria a democracia no Brasil senão uma forma nostálgica, como a Corte Imperial na Festa do Divino Espírito Santo que se comemora há 169 anos em Santa Catarina?

Sujeitos a leis extraterritoriais estrangeiras, com briosas tropas armadas de sucatas e aprestadas a guerras por interesses que não são nossos, que adiantaria preservar a forma democrática, se ela, obviamente, apenas disfarçaria a ocupação territorial?

É preciso ter a coragem e achar os meios de passar a régua e construir de novo o estado democrático brasileiro. Sob nova direção, como a padaria ali da esquina.


Comentários:

Deixe um comentário:

Somente usuários cadastrados podem postar comentários.

Para fazer seu cadastro, clique aqui.

Se você já é cadastrado, faça login para comentar.

Leia mais

Em geral

Nazismo

Em geral

Meias verdades são mentiras interesseiras: o caso Geisel

Em geral

A geopolítica da guerra ideológica

Em geral

Opinião pública - o caminho (das pedras) dos livros

Em geral

O ensino da razão e a multidão emotiva

Em geral

Um país colorido virado em preto e branco

Em geral

Amazônia: ninguém devasta aquilo que preza

Em geral

A narrativa e suas fraudes

Em geral

O império e suas armas - Terceira parte (a guerra do Brasil)

Em geral

O império e suas guerras - segunda parte (A metamorfose)

Em geral

O império que nos domina: 1 - O começo

Em geral

A resistência pela ataraxia, e o que nos leva a ela

Em geral

O ódio instrumental e a ordem perfeita

Em geral

Os dois nacionalismos brasileiros

Em geral

Um papo com o general

Em geral

A universidade e o desmonte de tudo

Em geral

A milícia ascende ao planalto

Em geral

A nossa república de Vichy

Em geral

Sobre ensino básico

Em geral

As serpentes reencarnadas



Blogs

Blog do JC

Baixinho rebaixado

A bordo do esporte

CBVela investe na formação de treinadores de vela

Blog da Ale Francoise

Cuidado com os olhos

Blog da Jackie

Catarinense na capa da Vogue

Blog do Ton

Amitti Móveis inaugura loja em Balneário Camboriú

Gente & Notícia

Warung reabre famoso pistão, destruído por incêndio, com Vintage Culture em março

Blog Doutor Multas

Como parcelar o IPVA de forma rápida e segura

Blog Clique Diário

Pirâmides Sagradas - Grão Pará SC I

Bastidores

Grupo Risco circula repertório pelo interior do Estado



Entrevistão

Entrevistão Ana Paula Lima

"O presidente Lula vem quando atracar o primeiro navio no porto”

Carlos Chiodini

"Independentemente de governo, de ideologia política, nós temos que colocar o porto para funcionar”

Osmar Teixeira

"A gestão está paralisada. O cenário de Itajaí é grave. Desde a paralisação do Porto até a folha sulfite que falta na unidade de ensino”

Omar Tomalih

“Balneário Camboriú hoje é o município que está com o maior controle, com o menor número de notificações de casos de dengue”

TV DIARINHO

Um protesto nacional aconteceu nesta quinta-feira. Trabalhadores portuários cruzaram os braços por seis ...




Especiais

NA ESTRADA

Melhor hotel do mundo fica em Gramado e vai abrir, também, em Balneário Camboriú

NA ESTRADA COM O DIARINHO

6 lugares imperdíveis para comprinhas, comida boa e diversão em Miami

Elcio Kuhnen

"Camboriú vive uma nova realidade"

140 anos

Cinco curiosidades sobre Camboriú

CAMBORIÚ

R$ 300 milhões vão garantir a criação de sistema de esgoto inédito 



Hoje nas bancas


Folheie o jornal aqui ❯








MAILING LIST

Cadastre-se aqui para receber notícias do DIARINHO por e-mail

Jornal Diarinho© 2024 - Todos os direitos reservados.
Mantido por Hoje.App Marketing e Inovação