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O novo paradigma


Pensávamos os sistemas de informação pública – notícias, entretenimento, cultura e ciência – como focos que se irradiam de poucos lugares de fala iluminando receptores dispersos. Segundo o Relatório McBride, da Unesco, divulgado nos anos 70, essa concepção privilegia, ou privilegiava, o “direito de informar” (do Estado, do Capital, da Igreja, da Academia) sobre o “direito de ser informado” dos cidadãos, enfim, de carne e osso.

Sabíamos que tais receptores planetários – “sem luz própria” – não eram inertes ou meramente reflexivos: confrontavam as mensagens com a realidade vivida; com a memória do passado e seus ensinamentos atávicos; com a experiência dos mais próximos, família e comunidade. Em situações de inserção agressiva de dados (negativos ou estimulantes), essas pequenas redes periféricas eram capazes de se integrar em explosões de ira e culto – revoltas e devoções breves e intensas.

Foi em decorrência da longa recessão imposta pelos banqueiros ingleses da Era Vitoriana, no Século XIX, que o efeito se tornou durável: gerou a “multidão enfurecida”, denunciada em livros por Scipio Sighelle e Gustave Le Bon, na década de 1890. Enfezados remanescentes da diáspora europeia formaram a base de apoio do movimento fascista que varrreu a Europa na primeira metade do Século XX.

Pois bem: essa modelagem está perempta: obedece a paradigma antigo, que se substitui agora por outro, caracterizado não mais pela emissão a partir de centros de processamento de mensagens, mas pela progressão em rede com milhares a milhões de nós e sinapses atuantes, vazamentos incontroláveis e espantosos discursos alternativos.

A propaganda que acompanhou a expansão inicial da internet destacava o caráter democrático da web, que daria “a todos o direito à palavra”. É ilusório isso: não havendo hierarquia, limites e critérios, todas as falas se equivalem e demonstrações lógicas ou, mesmo, evidências empíricas não prevalecem; haverá sempre sofismas em contrário e, finalmente, o apelo à crença, fundada em indício, convicção ou fé; o imediato. O que exige menos esforço – isto é, o medíocre.

Obra do Iluminismo, o conceito moderno de democracia impõe racionalidade. À falta dela, Macri foi eleito propondo uma política econômica que, na história recente da Argentina, em várias tentativas, nunca deu certo; diretrizes que vinham dando certo no Brasil foram substituídas por outras que não deram certo em lugar algum; um mau presidente, na Ucrânia, está sendo substituído pelo protagonista de uma série de TV que o satirizava. O planeta é plano (“como o nome está dizendo”); prefere-se o risco da doença deformante ou mortal à vacina eficaz; não assusta que o poderoso juiz não consiga falar “cônjuge” sem cometer deselegante síncope pós-tônica etc.

A administração de redes torna-se panaceia política do império que se propõe ditar ordens ao mundo – forma de dominação que reconfigura mecanismos “totalitários” (da Alemanha nazista) e “democráticos” (da propaganda americana). Busca-se o poder pela subversão das pirâmides sociais partindo da ralé que encobre e contém a base produtiva de bens e ideias. O discurso é radicalmente oposto à politica e à “ideologia”; tudo se simplifica na busca de culpados. Não há horizonte: só fantasmas a combater.

Essa forma de atuação global ganhou precedência com o surgimento de novos desafiantes econômicos e o desenvolvimento de armas que viabilizam a defesa militar de nações menores, como os sistemas antiaéreos e antimísseis.

Para atingir a eficácia que têm demonstrado – na Inglaterra do Brexit, no Brasil, Argentina, Ucrânia etc. – os criadores da “guerra híbrida” devem ter partido do estudo das redes dinâmicas, físicas e biológicas, em particular as de natureza neural.

Do ponto de vista topológico, o cérebro em que se abriga a mais complexa delas, funciona como sólido enorme, porque o emaranhado de cadeias de neurônios conduz pulsos elétricos, lineares, bi ou tridimensionais, com possibilidades infinitas de conexões.

Se me tivessem incumbido de estudar o bom combate, começaria por aí: serão as sociedades sob ataque imperfeita imitação da mais fantástica máquina de processamento paralelo que existe? E sendo assim, como impor a grupos tão grandes de gente adulta o império da razão sobre impulsos primários, coisa que as mães começam a fazer na educação propedêutica do cocô e do xixi?


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