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Do céu ao chão


Do choro ao funk, de Getúlio a Bolsonaro, de Max Nunes a Danilo Gentili; da indignação dos sábios à revolta dos ignorantes, do amor mestiço ao ódio tropical em branco e preto; o barroco de Niemeyer entre caixotes enfeitados e os espaços criados para o povo por Lúcio Costa ocupados por soldados na guerra contra os índios. Quem imaginaria tal regressão? Tive a primeira revelação desse abismo quando, há décadas, ainda professor na UFRJ, deparei, exposto em banca de jornal, número monotemático da revista “Casseta Popular” com dezenas de contos picarescos e piadas sobre corrimentos vaginais. Afora o nojo às vulvas – traço de higienismo de machos egoístas e inseguros –, lá estavam a dessacralização da intimidade, o fundamentalismo censurando imagens e liberando o verbo chulo, a redução do sentimento à sensação (porque, na língua desses trouxas, ambos são “feelings”). O “politicamente correto”, que é uma forma de hipocrisia (novos nomes não regeneram conceitos degradados, escreveu Michel Bréal, o pai da Semântica), tanto quanto a ousadia atribuída a sua transgressão contribuem para que só nos reste fazer graça com nonsense, jogo lógico de procedência inglesa que explora o inesperado ou improvável. Outras formas de humor até que resistiram bastante, na acrobacia circense dos Trapalhões (“o mecânico sobreposto ao vivo”, escreveu Henri Bergson), nas tiradas (esquizofrênicas?) sempre repetidas do Barão de Itararé (como o cartaz “entre sem bater” na porta da redação recém-empastelada da “Manha”), no chiste (freudiano?) das canções populares de sentido ambíguo e nos personagens críticos de Chico Anísio ou Jô Soares – até que se implantou, enfim, a estética e ética do CQC ou do “Pânico”, que lembram a produção cômica italiana (tida por “surrealista” em seu tempo) do tempo de Mussolini. Em jornalismo, o desvio é mais antigo. Carlos Lacerda, especialista em panfletismo de insultos, acrescentou, no Manual de Redação de sua “Tribuna da Imprensa” “porque” e “para que” aos elementos da proposição de Aristóteles incluídos na Teoria da Notícia (“que/quem”, “o que”, “quando”, “onde”, “como”). No mundo, porém, não existem causas ou intenções; tais notações correspondem a vácuos da objetividade onde se costumam inserir especulações interesseiras. David Nasser, no após Segunda Guerra, misturava ficção e realidade, tal como no apogeu do sensacionalismo americano de décadas antes; gente dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, convenceu Benjamim Vargas a deixar-se fotografar provando roupas no alfaiate, só para publicar a imagem dele vestindo fraque e cuecas – e assim descreditar a família do presidente. De certa forma, foi contra esse aparelhamento pegajoso que pretendemos – Jânio de Freitas, Evandro Carlos de Andrade, José Ramos Tinhorão, entre outros, na esteira dos ensinamentos de Pompeu de Souza e Danton Jobim –, implantar, no “Diário Carioca” e no “Jornal do Brasil” dos anos 50 e 60, linguagem noticiosa padrão, próxima da fala, referencial, simples e enxuta; e era também a intenção de colegas, como o até hoje atuante José Hamilton Ribeiro, ao ressaltar, anos depois, a reportagem como base do jornalismo, na experiência seminal da revista “Realidade” em São Paulo. De distorção em distorção, chegamos ao editorialismo mentiroso do “Antagonista” e de outros pasquins eletrônicos e inserções em mídia convencional, usados como alavanca de difamação; e ao “jornalismo investigativo” preguiçoso que corta, cola e às vezes reescreve matéria de contrainformação plantada por estrategistas que “usam a imprensa”, no estilo J. Edgar Hoover. O próprio conceito de “jornalismo investigativo” é, aí, uma fraude. Na história recente, ele é associado ao “jornalismo de precisão”, de Phillip Meyer, que inclui entre as habilidades profissionais métodos científicos de investigação social e processamento de dados; aplica-se, ainda, ao trabalho custoso (e eventualmente perigoso) de sempre, no levantamento de depoimentos e pesquisa de informações, para abordagem aprofundada dos temas jornalísticos. A distorção, é claro, não ocorre por acaso. Eu a vi ser promovida, com a intenção óbvia de criar uma frente profissional de apoio à campanha de inspiração externa e suporte empresarial contra o governo Lula, fundada em convicções, denúncias reais ou extorquidas e no senso comum de quem simplifica as coisas, porque é mais fácil culpar pessoas do que encarar problemas sistêmicos.


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