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Milícias, ongs e a terra plana


Quando, no final dos anos 50, Padre Alexandre Lingua, da paróquia de Nossa Senhora da Conceição do Engenho Novo, acolheu em sua igreja Mineirinho, bandido marcado pelo Esquadrão da Morte – antecessor da Escuderia Le Coq e precursor da linhagem a que pertence o atual Escritório do Crime --, comprou briga com o cardeal do Rio de Janeiro, Jaime de Barros Câmara.

Mineirinho era um adolescente – 17, 18 anos – desses que a polícia mata toda semana e ninguém liga. Lingua, ex-seminarista e partisan italiano, guardava no armário da sacristia seu uniforme de coronel por honra do Exército italiano, mas ostentava na alma guerreira o princípio da Piedade – nome que, para o cardeal e outros príncipes da Igreja Romana na arquidiocese carioca, jamais designou outra coisa que não a estação de trens da Zona Norte depois do Encantado – a que, aliás, falta também qualquer encanto.

Essa é a razão de, naquela manhã de primavera, no final de 1961, os rabos dos cavalos dos Dragões da Independência estarem a espanar as grades do jardim da casa de papai, na rua Souza Barros: é que desfilavam sobre os paralelepípedos e trilhos dos bondes as autoridades da República – o Presidente João Goulart, o Primeiro-Ministro Tancredo Neves. Cumpriam ordens de Vicentina, mãe de Jango, para que prestigiassem Lingua, seu confessor.

Noticiam que as milícias do Rio de Janeiro prepararam-se nos últimos vinte anos para o feito de agora – eleger governador, senador, deputados e, pelas mãos do novo presidente da República, habilitar-se a ocupar o Brasil todo. Eu lhes asseguro que são muito mais antigas e se originam de fenômenos sociais bastante complexos.

Primeiro, uma evidência: se a polícia cumprir com rigor as tarefas prioritárias que lhe incumbem – combater eficazmente os jogos (do bicho, caça-níqueis, bingo etc.), o tráfico (de drogas, órgãos, lixo, animais silvestres, gente, armas), a exploração sexual dos vulneráveis, a revenda de materiais roubados e o estelionato – boa parte do país mergulhará em guerra civil. Nos últimos 70 anos não estivemos – e, pois, não estamos – em situação “normal” quanto ao sentido e implicações da prática policial, e isso não é apenas um problema brasileiro.

Vários dos crimes listados – os mais graves – têm suporte financeiro e político global. Máfias são corporações, e isso não é metáfora. Drogas vêm sendo usadas pelos imperialismos inglês (as guerras do ópio contra a China no Século XVIII) e americano (as ações dos serviços de espionagem e a indústria dos fármacos sintéticos e opiáceos).

O cidadão comum, na média, pouco se incomoda com esses delitos, desde que praticados discretamente (é, às vezes, usuário ou beneficiário), mas morre de medo de furtos, assaltos e tudo mais que a mídia, não por acaso, promove para apavorá-lo. Depende, pois, para ter a sensação de bem-estar, de acordos do poder público com bandidos – nos quais alguém leva o troco. As “caixinhas” sempre foram administradas por comandos – da PM, dos Bombeiros, nas chefaturas, nos palácios.

De tal estado de coisas resultam formações típicas, que refletem, na forma, mensagens veiculadas pelos meios de comunicação de massa: militares treinados pelo Estado que se tornam mercenários; corpos policiais dispostos a intimidar e assassinar ostentando, caveirões, caveirinhas e ossos cruzados; acertos para o controle de presídios por grupos criminosos; penalização rigorosa de “mulas” do tráfico ou aprendizes do crime mais ou menos ao acaso ou por azar, sem que isso altere coisa alguma do quadro geral; a degradação dos mecanismos policiais e judiciários.

Não é de espantar, portanto, que um juiz como Witzel e um presidente como Bolsonaro sejam heróis das milícias. E que estas, resultantes da perda de sentido do Estado nacional, tratem, como as ongs, de gerir, coordenar e explorar serviços públicos.

A comparação com as ongs faz todo sentido, bem como a superação concomitante da ciência pela fé obscurantista. Tudo acontece como que por acaso e o acaso é a luva onde se oculta a mão da História.


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