Coluna Fato&Comentário
Por Edison d'Ávila -
A república entre nós
No dia de hoje, 15 de novembro de 2019, comemora-se o 130º aniversário da proclamação da República no Brasil. Então, uma curiosidade histórica se põe: como a República foi recebida entre nós, os itajaienses, há 130 anos atrás?
Registros históricos desses tempos na imprensa escrita de Itajaí infelizmente não os há. Os jornais, que existiram naquela década, pararam de circular dois anos antes ou circularam um ano depois de 1889. Fica-se, assim, sem a notícia do jornal, “testemunha ocular da história”, que poderia ter contado como aquele acontecimento histórico se teria passado por aqui.
Também não se conhecem até agora quaisquer memórias deixadas por alguém que tenha vivido naqueles anos e deles escrito alguma coisa. Os memorialistas itajaienses mais conhecidos - Rachel Liberato Meyer, Marcos Konder, Juventino Linhares – não tratam do tema. Guilherme Müller, que foi notável construtor alemão da segunda metade do século XIX e começo do século XX em Itajaí, escreveu valioso diário de acontecimentos de sua vida e da cidade, mas boa parte dele se perdeu. Quem sabe, na parte perdida estivesse algum registro sobre 15 de novembro de 1889 em Itajaí?
Agora, o que se tem sobre esse acontecimento histórico entre nós está escrito no romance “Os Halifax”, da autoria de Alexandre Konder, editado em 1951, no Rio de Janeiro, pela Organização Simões. Aliás, uma excelente edição, com capa e seis ilustrações internas do famoso pintor Alberto da Veiga Guignard. Alexandre Konder era o filho mais velho de Marcos Konder, nascido em 1904, formado em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo, hoje USP, e escritor. A obra tem como subtítulo: “Um drama, entre muitos, ao correr da colonização do Vale do Itajaí”.
A certa altura do romance, no desenrolar da história, à página 291, se encontra este registro: “Em Itajaí, mal foi conhecida a queda da monarquia, o povo correu para a praça, a vivar a República, com os políticos à frente, disputando entre si os melhores ‘postos de sacrifícios’” De quem teria o romancista colhido esse relato e inserido em sua obra?
O registro surpreende, porque na própria então capital do Brasil, Rio de Janeiro, segundo o jornalista Aristides Lobo, “o povo assistiu bestializado” à proclamação da República. Dir-se-ia que o registro de Alexandre Konder é pura ficção de romancista. Mas ele próprio alerta no prefácio do livro: “Assim, pois, talvez o nome dos Halifax seja a única ficção deste romance. O mais é verdade plena, desafiando os sofismas e as contestações.”
Sem sofismas e sem contestações, a verdade é que se verá, a partir da República, surgir com mais nitidez e frequência a presença do povo em acontecimento políticos em Itajaí.
O inaceitável aconteceu: Evo Morales derrubado por um golpe militar. Há décadas não ocorria golpe militar na América Latina. Horas antes de ser deposto, Evo havia aceitado convocar novas eleições presidenciais. Porém, os militares preferiram rasgar a Constituição e trocar os votos pelas armas.
Estamos de volta ao passado, quando golpes militares derrubaram presidentes democraticamente eleitos – Guatemala e Paraguai (1954); Brasil (1964); Peru (1968); Uruguai e Chile (1973); Argentina (1976); República Dominicana (1965); El Salvador (1979); e Bolívia (1980).
Golpes parlamentares ocorreram recentemente em nosso Continente, como os que derrubaram os presidentes Zelaya em Honduras (2009), Lugo no Paraguai, e Dilma no Brasil (ambos em 2016).
Toda essa conjuntura comprova a fragilidade das instituições democráticas na América Latina. Nem os governos progressistas lograram fortalecer o arcabouço democrático e, em especial, o empoderamento popular, base da democracia, pela valorização dos movimentos sociais.
As recentes manifestações no Equador e no Chile demonstram que a maioria dos governos latino-americanos está mais atenta a se sujeitar aos ditames neoliberais do FMI e do Banco Mundial do que os preceitos constitucionais. Governa-se para fazer o PIB crescer, e não para aprimorar a qualidade de vida da população e, sobretudo, reduzir a desigualdade social. Os privilégios da elite empresarial e financeira são considerados mais importantes que os direitos humanos.
O Brasil, infelizmente, não está imune ao vírus golpista. Basta recordar que o deputado federal Eduardo Bolsonaro declarou em vídeo, em julho passado, que bastariam um cabo e um soldado para fechar o Supremo Tribunal Federal. E, em data recente, evocou a reedição do AI-5 como saída para a crise brasileira. Seu pai, o presidente Bolsonaro, admitiu de público, em setembro de 2018: “Não aceito resultado das eleições diferente da minha eleição”.
Nosso sistema judiciário omitiu-se diante de um candidato que, sem meias palavras, manifestou-se favorável à tortura, ao fuzilamento de opositores da ditadura, à homofobia e ao preconceito a negros, indígenas e nordestinos.
A inércia da sociedade civil pode servir de caldo de cultura às sementes autoritárias disseminadas pelo país e fecundadas pelo desmonte da cultura, os impasses da economia e o agravamento da miséria (segundo o IBGE, 13,5 milhões de brasileiros sobrevivem com renda diária inferior a R$ 8, e 52,5 milhões com renda mensal inferior a R$ 420).
O Brasil não merece jogar no lixo da história a sofrida e heroica luta daqueles que, ao longo de 21 anos (1964-1985), resistiram à ditadura, até que ela fosse banida de nossa história pelo advento da redemocratização, em 1985, e a aprovação da Constituição Cidadã, em 1988.
Frei Betto é escritor, autor de “Batismo de Sangue” (Rocco), entre outros livros.