Em geral
Por Em geral -
O homem que quis proclamar a independência
Jânio da Silva Quadros, em 1960, foi o primeiro dos ETs políticos invocados pelo “modernismo conservador” para conter a preferência dos eleitores pelo trabalhismo, forma brasileira de social-democracia criada por Getúlio Vargas. Depois de Jânio, vieram Fernando Collor, príncipe encantado de novela da Globo, em 1989, e Jair Bolsonaro, criatura das notícias falsas nas redes sociais, em 2018. Fernando Henrique Cardoso, o único “modernista conservador” que, até agora, durou no cargo, está mais para cavalo de troia do que para ET: sua enorme vaidade foi longamente cultivada na academia norte-americana: quando chegou à presidência cavalgando o Plano Real. Hábil manobra contábil determinada por seu antecessor, Itamar Franco, manteve-se ambíguo no primeiro mandato e, no segundo, entregou tudo o que pode da soberania e riqueza nacionais. Jânio frustrou a UDN, que o escolhera para impedir a vitória do Marechal Henrique Duffles Teixeira Lott nas eleições de 1960, e surpreendeu toda gente. Com suas esquisitices sempre exaltadas pela mídia, foi, no entanto, desde Getúlio e até Lula, o presidente brasileiro que deixou ao Brasil o mais forte legado. Em sua gestão de seis meses e 24 dias, proclamou a política externa independente; defendeu com ênfase a autodeterminação dos povos e a não intervenção imperialista; condecorou com a Grã-cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, Ernesto Che Guevara, Ministro da Educação de Cuba; estabeleceu relações diplomáticas e comerciais com a União Soviética e a República Popular da China; aproximou o Brasil da África e nomeou embaixador em Gana o jornalista e romancista autodidata sergipano Raimundo Sousa Dantas, desafiando o arraigado racismo do Itamaraty. Na política interna, Jânio, tal qual Getúlio ao se empossar, 10 anos antes, adotou política financeira rígida; como parte dela, cortou radicalmente subsídios cambiais que beneficiavam grupos econômicos poderosos, incluído o baronato da mídia. Propôs ao Congresso, pela primeira vez, reforma agrária, leis antitruste e de controle da remessa de lucros e royalties – nada disso posto em votação. Criou os primeiros parques ecológicos nacionais e a reserva indígena pioneira do Xingu, projetada por Darcy Ribeiro para dar sentido às ideias de Cândido Rondon e à militância dos irmãos Vilas Boas. Mesmo medidas que adotou, dadas por excêntricas, não seriam desfeitas em décadas: a proibição de rinhas de galo ou dos jogos de azar com cartas de baralho, por exemplo. Com tão extraordinários feitos, deveria ter-se bastado: despertara, como escreveu, “terríveis forças ocultas”. Pena que, em lugar de se dedicar às regras de colocação de pronomes de Cândido de Figueiredo – era, profissionalmente, um gramático das antigas – quis, depois, retomar pela base paulista a carreira política, sem jamais lustrar-se com o mesmo brilho. O Congresso com que Jânio duelou tinha sido eleito, em boa parte, com recursos de multinacionais aplicados no Ibad, entidade corruptora ligada à Cia, central americana de espionagem: o fato foi constatado (o Ibad seria, afinal, fechado em 2013), mas os congressistas estavam lá e se apressaram em atender ao pedido de renúncia que o presidente apresentou em 25 de agosto de 1961. Em torno da renúncia, criou-se polêmica armada para atribuir exclusivamente a traço do caráter de Jânio algo de óbvia astúcia política: ele sabia que lhe faltavam condições para conduzir o governo conforme o programa com que se comprometera, formulado por uma equipe da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro chefiada pelo sociólogo José Artur Rios; só o faria cavalgando apoio popular compatível com a grande maioria que o elegera. Com o pedido de renúncia, tentou convocar o povo. As cobras criadas do parlamento não deram tempo para isso – e a imprensa comprometida tratou de dar o episódio por extinto e passar a bola aos três ministros militares, que partiram para um golpe de estado ao gosto de Washington. A resistência de Leonel Brizola impediu que eles tivessem êxito – e foi preciso esperar dois anos e sete meses pelo 1o de abril de 1964. Mas hoje está claro que, mesmo se não tivesse renunciado, Jânio, nas condições políticas da época não completaria seu mandato.