Em geral
Por Em geral -
Os que “odeiam matemática”
No mundo, os homens percebem descontinuidades que delimitam formas. Quando encontram função para alguma delas, dão-lhe nome. A função do nome é substituir a coisa nomeada em todos os enunciados. Função é tudo – estado ou ação – que se atribui aos entes de um mundo real, imaginário ou necessário em alguma teoria. Às funções, nessa concepção, derivada do matemático Gottlob Frege, correspondem categorias. Por exemplo, se alguém “lê” (cumpre, no enunciado, a função de ler), pertence, então, nesse enunciado, à categoria, ou conjunto, dos “leitores”. A Teoria dos Conjuntos está modernamente associada ao nome do matemático Georg Cantor. A listagem das funções de um ente – pois, de conjuntos a que pertence –, constitui a definição (“intensional”, dirá Frege) desse ente em um dicionário. De tal ponto de vista, a língua é um sistema de signos em que cada um se define pelos outros. Conforme o teorema de Kurt Goedel, em sistemas assim haverá necessariamente pelo menos um signo que não se pode definir pelos demais. É o caso de “ser”, Todo ente “é”, mesmo os que não existem, como os fantasmas; existirão em um “mundo possível”, como quis o filósofo e matemático Gottfried Leibniz, que, no século XVII, propôs também o conceito originário de “função” em um contexto geométrico. Deixou claro que só “não pode ser” o que é contraditório, como o “quadrado redondo”. Se A ama B, então temos três categorias, “amante”, “amado” e “amor”, que rotula, ou conceitua a função (conceitos têm valor de verdade). É através das funções que a linguagem humana registra aspectos selecionados do que há e do que se passa no mundo. Conceitos genéricos que se reportam a entes, estados e ações constituem a maior parcela dos itens de um dicionário. Locuções são estruturas combinatórias pelas quais um ente ou função se especifica, geralmente em operações descritas na Teoria dos Conjuntos: “os leitores deste texto”, por exemplo, é o subconjunto de indivíduos do conjunto dos “leitores” que leram, leem ou lerão este texto. Proposições, de sua parte, são sentenças a que se atribui verdade. A partir da convicção de que uma sentença é verdadeira é que se define cada uma de suas partes e se chega a afirmações analíticas. Assim, se é verdade que a palavra falada é, na cultura bantu, um bem social e nela reside a essência da condição humana, então é verdade que, nessa cultura, a sociedade molda o indivíduo humano, e não o contrário. Essa forma de inferir o sentido de uma unidade da sentença considerando o todo é paralela aos raciocínios com que se extrai o valor de incógnitas em equações. Por essas e outras, o livro em que o matemático George Boole, em meados do século XIX, propôs as bases da álgebra booleana, que, décadas depois, permitiria a concepção dos computadores, chama-se “Uma investigação das leis do pensamento”. Bertrand Russell, um dos mais influentes filósofos e matemáticos do século XX, escreveu, em seus “Ensaios impopulares”, que os problemas da filosofia ou são lógicos ou semânticos – de uma forma ou de outra, contidos em linguagem. As abstrações matemáticas só adquirem sentido para a cultura em geral quando postas em palavras, ainda que por via de metáforas – que, não por acaso, decorrem de proporções e modelos, Nada disso mereceria espanto: os discursos sobre entes e valores são expressões da condição de consciência que distingue a espécie humana. A natureza seria perdulária se aplicasse lógicas diferentes às duas habilidades. Ora, ela jamais faria isso, não é?