Em geral
Por Em geral -
A fabricação dos novos exércitos
É possível conhecer frustrações e angústias de qualquer individuo a partir de dados pessoais – idade, profissão, bairro de moradia, por exemplo –, dos sites que procura na internet, daquilo que compra, daqueles com que se relaciona, das escolhas culturais e dos amigos de seus amigos. Agentes inteligentes eletrônicos coletam essas informações, manipulam grande volume delas e mapeiam, assim, uma população. Isso tem várias aplicações e é algo de que não se pode fugir, por mais que nos prometam “segurança”. Basta aplicar, então, os recursos tradicionais da retórica de convencimento para se empreender um processo exitoso de mobilização da opinião pública contra suposto(s) responsável(eis) por um estado de coisas definido como malévolo. Cada destinatário acreditará que lê, vê e ouve o que quer ouvir, ler e ver; nenhum de seus problemas será resolvido, mas para todos haverá culpados, porque essa é a maneira mais fácil de desvencilhar-se deles. A verdade, aí, não é o mais relevante; o que importa é que toda informação – de qualquer fato – veiculada a um sujeito em particular reitere a versão que se quer impor e responda a seus anseios, conscientes ou não. Busca-se materializar a repulsa em atitudes, suprimir complexidades, ampliar e concentrar a culpa. A Lei da Simplificação e do Inimigo Único é uma das cinco estratégias propostas por Jean-Marie Domenach em seu livro “A propaganda política”, que analisou os discursos do nazismo. As outras Leis de Domenach são da Ampliação e Desfiguração, que se aplica ao conteúdo das mensagens, de maneira consecutiva, constante e crescente, porque a repetição é, aí, é a chave do êxito; a da Orquestração, que distribui mensagens em diferentes contextos, convergindo para a versão pretendida; a da Transfusão, pesquisa de modelos que reiterem e esclareçam o perfil do(s) culpado(s); e a da Unanimidade e do Contágio – no caso, a criação de uma comunidade de pessoas que pensam “o que é certo” e reforçam as convicções umas das outras. Enfim, não é tão complicado, para quem dispõe de meios e conquista a fidelidade um público. A prática vem mostrando que a aplicação do método conduz gente vulnerável à aceitação, inicialmente, do verossímil; depois, mesmo, do muito improvável, tal a relação de confiança que se estabelece e o reforço da autoestima que propicia. Joseph Goebbels, ministro da informação do Reich, controlava toda atividade cultural na Alemanha e regiões ocupadas; na mesma época e em anos seguintes, Edward Bernays, nos Estados Unidos, empregava os recursos da grande mídia impressa e eletrônica para, com alto custo de veiculação, impor mensagens hegemônicas em uma sociedade aberta, até certo ponto, a diálogos inconvenientes. Não é mais assim. Estoques de dados e robôs que disparam mensagens a públicos segmentados permitem formar os novos exércitos na guerra de opiniões de maneira bem mais discreta e econômica: neles, gente solitária, descontente, alheia ou reprimida encontra companheiros e motivação. Militantes assim reunidos entraram em ação, apoiados por pequenas equipes presenciais de agitadores treinados, nas jornadas de 2013, no Brasil, e, agora, na França. Em manifestações só aparentemente espontâneas, derrubam líderes, elegem presidentes, mudam radicalmente regimes políticos. Trata-se de algo que pode nos conduzir à pós-democracia e à pós-ciência – isto é, a um novo totalitarismo – ou a um período de intensas lutas sociais.