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A era da mentira


A convicção de que os meios de comunicação têm compromisso de nos informar a verdade é algo que se consolidou no século 20 e, agora, como outras crenças sólidas, dissolve-se no ar.

A mídia surgiu, no fim da Idade Média, para, competindo com menestréis e boateiros errantes, contar casos emocionais, verdadeiros ou não, e espalhar prognósticos, dos realizáveis aos apenas mágicos.

Ao longo dos séculos seguintes, em que lutou pelo poder com a classe dos nobres e as monarquias absolutas, a burguesia utilizou a imprensa para impor sua ideologia. Os jornais da época publicavam, destacadamente, o “artigo de fundo” (ancestral dos editoriais de hoje) e outros textos de opinião mostrando como o Estado é inimigo do “povo” (isto é, dos burgueses) e como seria melhor se não existisse – mas cada uma das nações, contraditoriamente, sim. Depois, em plano secundário, a “Varia”, os “fait-divers”, reunindo notícias de interesse para os negócios – secas, enchentes, guerras, movimentação de navios etc.), sobre eventos marcantes e intrigas convenientes.

No século 19, quando a imprensa se empresariou (a era das rotativas que imprimiam milhares de exemplares e dos jornais baratos financiados pela publicidade), a competição comercial levou à mudança de critérios, com a valorização do que interessava ao público – o noticiário urbano, policial, esportivo – tudo em parte exagerado, destorcido ou abordado do ângulo mais interesseiro.

Na verdade, os donos de empresas de mídia sempre tiveram duas fontes de receita: a que se fatura – anúncios (a publicidade “a favor”) e venda avulsa; e a indireta, não declarada, que se esconde às vezes como “relações-públicas” (a publicidade “contra”, geralmente na forma de “campanhas” que se propõem em nome do bem comum).

Os jornais europeus continentais ainda disfarçavam o sensacionalismo das mensagens, mas os empresários ingleses e, principalmente, os americanos, que tinham a incumbência de socializar multidões de imigrantes de várias procedências, não tiveram esse cuidado: os jornais noticiavam o que acontecia explorando ao máximo os detalhes emocionais ou escabrosos dos fatos; se nada acontecia, inventavam, buscando sempre assustar e comover: se necessário, criavam realmente a notícia: a invasão de Cuba pelos Estados Unidos, nem 1898, foi, em parte, uma promoção da cadeia de jornais de Rudolph Hearst, que cuidou de ter a cobertura exclusiva, a partir da redação de campanha instalada em um iate.

Foi reagindo ao sensacionalismo que os jornalistas americanos inventaram técnicas de texto destinadas a minimizar as estratégias de deformação das notícias e impuseram a ética como fundamento da profissão.

Ao longo de décadas, a partir de 1920, essas técnicas foram sendo degradadas e a ética posta de lado por obra do compromisso com interesses maiores – guerras quentes, guerras frias, choques atávicos de civilizações e de culturas. Veio a globalização e, com ela, após os anos 70, a pós-verdade.

O jornalismo que esperamos – testemunho honesto e íntegro da realidade – ainda exite, mas se esconde, como a melhor ciência, em um oceano de falsas verdades infinitamente repetidas. Busca-se manter padrão elevado de excitação e de medo, prometer a indivíduos o que se nega às sociedades, e promover o banal para ocultar o que é importante.

Não que a estratégia seja nova – há mais de um século, método similar impunha a americanos, africanos e asiáticos a certeza da superioridade da “raça branca” –, mas cresceu com o gigantismo dos meios de comunicação, apoiada, agora, na caixa de ressonância das mídias sociais.


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Publicado 09/05/2024 19:08


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