Em geral
Por Em geral -
A tragédia dos muitos erros
A pergunta que interessa à história é: - Onde o Brasil errou? A lista é extensa. Começa quando o país não soube defender sua indústria cultural – as produtoras de cinema e gravadoras de músicas – e de bens de consumo ligeiro, na década de 1950; prossegue com a omissão diante da eleição de 1960 de um parlamento cm votos comprados em dólares e, anos depois, comprovada a fraude, a manutenção dos mandatos. Erros políticos foram certamente muitos, visíveis agora, passado o tempo. No entanto, mais importantes são os descaminhos essenciais, continuados. Dentre eles, a ingenuidade geopolítica e a ignorância estratégica. O que terá levado o governo brasileiro a imaginar que a mais poderosa, cruel e farsante potência imperial da História toleraria a aliança de um país vassalo com Rússia e China, seus demônios eleitos? Ou admitiria que esse mesmo vassalo, ocupando extenso e rico território, acrescesse gigantesca província petrolífera a seu enorme potencial agrícola, relevante para a segurança alimentar dos povos do Oriente? Em 2003, quando cruzei no Rio de Janeiro, onde estava de passagem, com dois conhecidos de outros tempos – imigrados para os Estados Unidos com contratos de trabalho e favores incomuns -- desconfiei, pela primeira vez, de uma conspiração em curso. Pareceu-me evidente que um deles viera, como antes, ouvir e informar sobre conversas de intelectuais cariocas; o outro, mais qualificado, procurava automóveis com mudança automática e ficou triste em saber que não se fabricavam aqui: trazia recursos e apoio técnico para congregar competentes jornalistas em torno do projeto de intenso “combate à corrupção” do governo de Lula da Silva – uma espécie de linha auxiliar da política das empresas de mídia há muito cooptadas pela central que funciona em Miami, a SIP – Sociedad Interamericana de Prensa. Os órgãos de segurança institucional do Brasil não viram – porque não quiseram ver –, por exemplo, o trabalho ostensivo de organização dos blackblocs e da estrutura jurídica de suporte para apoiá-los, com fulcro em um escritório com sede em Joinville; ignoraram a intensa movimentação de agentes da Cia subordinados a uma embaixadora especializada em golpes latino-americanos com experiência anterior em Honduras e no Paraguai; assistiram à construção de pontes entre a conspiração de matriz externa e grupos fascistas no sul do país, latifundiários gulosos de terras, milícias de procuradores e policiais e remanescentes de militares da linha dura; não se moveram quando o processo de criação dos institutos (Ibad e Ipes), que antecedeu o golpe de 1964, reeditou-se no Instituto Millenium e seus satélites vinculados à militância dos ultraliberais adeptos de Hayek e de Von Mises. Embalado pelos êxitos econômicos e pelos dados de ascensão social das populações pobres, o governo não ouviu o rumor da classe média que se sentia deslocada de históricos privilégios. Com incrível ingenuidade, confiou no mito de uma democracia sustentada pela autoridade moral do estado de direito, ou garantida pela pureza republicana de uma Justiça corrompida e covarde como a brasileira. Idealistas embarcaram nessa nau, que a mídia empurrava. Cruzei com alguns nos corredores de universidades. Leram os clássicos e os repetem, com eventual criatividade; tendo estudado em Paris, Londres ou Boston, costumam imaginar que aqui é como lá. Pelo contrário: o Brasil é um país periférico, de classes sociais separadas por muros invisíveis e de regiões que não dialogam umas com as outras porque só se ouve a matraca da elite podre de São Paulo: o povo, mestiço, crédulo, tolerante em sua prática e conservador nos costumes, segue o What’sApp e a TV. Digamos que o conjunto dos erros se resume em múltiplo colapso comunicacional.