Em geral
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O cenário externo
Na mais bem sucedida série de episódios da franquia Star Treck, um francês, Jean-Luc Piccard, comandava a aventura espacial em um tempo futuro; na tripulação, pessoas de várias nacionalidades e planetas. No entanto, a nave em que percorriam o universo em velocidade de dobra chamava-se USS Enterprise. As iniciais “USS” querem dizer: “United State Service”, “a Serviço dos Estados Unidos”. Piccard está em vias de retornar aos pixels em nova versão da série, na qual, decerto, caberá ainda aos Estados Unidos, representar a Terra. Desde criança, os norte-americanos são convencidos de que tal destino de seu país é natural, necessário, manifesto por ditame divino. E isso tem muito a ver com o que se passa no Brasil nestas vésperas de eleições. Os Estados Unidos sempre foram nação agressiva. Da estreita faixa de terra que as colônias rebeldes ocupavam por ocasião da independência – da Geórgia ao Maine, do Atlântico ao Mississipi –, partiram para a conquista militar do continente, em guerras, entremeadas por acordos de paz jamais cumpridos, contra nações indígenas que dispunham apenas de armas primitivas. Calcula-se em oito a 12 milhões o número de índios assassinados, ao longo do Século 19, por balas, veneno e fome causada pelo abate de seus rebanhos. Tirando proveito da decadência do poder espanhol, da fragilidade da república mexicana e do relativo desinteresse pelo Continente, novos territórios (Texas, Califórnia, Flórida, Arizona, Novo México, Alasca) foram comprados ou conquistados. No Século 20, os norte-americanos herdaram a hegemonia financeira do império britânico; após a Segunda Guerra Mundial, estenderam sua influência à Europa continental – hoje militarmente ocupada, exceto a Rússia – ao Japão e Coreia do Sul. Acordos internacionais – o Acerto de Bilderberg, de 1956, e o Tratado Trilateral, de 1973, -- firmaram a aliança entre grupos financeiros que sustenta tal estado de coisas, a que não é estranho o Estado de Israel. Desde 1823, vige a Doutrina Monroe: “a América é dos americanos”. Em leitura realista desse contexto, constata-se que nenhum país da América Latina teve ou terá independência plena enquanto os Estados Unidos persistirem em seu objetivo imperial: são dezenas de intervenções ao longo de décadas - militares, por pressão financeira, promoção de subversão interna e cooptação de corporações e grupos das elites nativas. A questão é que, hoje, essa potência única, senhora da moeda de referência no mundo, dos sistemas de comunicação eletrônica partilhados por todos, com orçamento militar que se equipara ao dos demais países somados, é ameaçada pela recuperação bélica da Rússia e, principalmente, pelo rápido crescimento econômico da China. O Brasil preocupa os Estados Unidos, tanto por causa do tamanho, população, recursos e originalidade cultural quanto pela insistente vocação nacionalista que se manifestou a partir do governo de Getúlio Vargas. O processo que levou o presidente ao suicídio, o golpe militar de 1964 e o golpe jurídico parlamentar de 2016 contaram com o patrocínio americano. Estamos, pois, plantados em um campo de batalha. Os fios da rota da seda chinesa, com promessas de bom comércio e relação soberana, propõem a nossos países outro futuro. Um governo independente no Brasil, qualquer que seja sua ideologia, espera-se, cuidará de reforçar cautelosamente esses laços comerciais, geri-los em benefício próprio e, a partir deles, buscar novos patamares de bem-estar e desenvolvimento, nos campos da energia nuclear, da conquista espacial, da indústria de defesa e das tecnologias de ponta. Isso contraria os interesses dos Estados Unidos, atualmente representados pela corrente dominante no Poder Judiciário e pela mídia. Nilson Lage