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POLÍTICA

Como os desastres climáticos podem ajudar a eleger prefeitos

Prefeitos de cidades que sofrem eventos extremos, como inundações, têm mais chances de reeleição, segundo pesquisa

Agência Pública [editores@diarinho.com.br]

Pesquisador Ítalo Soares diz que, em ano de reeleição, conseguiu observar que os eleitores brasileiros levam em consideração a ocorrência de desastres como fator para o voto
Pesquisador Ítalo Soares diz que, em ano de reeleição, conseguiu observar que os eleitores brasileiros levam em consideração a ocorrência de desastres como fator para o voto

Por Amanda Audi | Edição: Mariama Correia

Pela primeira vez, uma pesquisa analisou dados dos 5.570 municípios brasileiros para medir como os desastres naturais impactam as eleições. Os dados revelam que o prefeito tende a ter mais chances de se reeleger caso o seu município sofra com uma grande seca ou inundação, por exemplo, durante o ano eleitoral. Mas, se o incidente ocorrer em outros anos do mandato, suas chances diminuem consideravelmente.



Depois de um desastre, o prefeito de uma cidade afetada declara estado de calamidade pública – um mecanismo que permite o recebimento de dinheiro e perdão de dívidas pelo governo federal, para que possa tomar medidas de emergência. Se isso acontece em ano de votação, os caixas da cidade se enchem e são grandes as chances de as ações de reparo se tornarem visíveis para a população justamente no período próximo à campanha eleitoral. É como se o prefeito estivesse “fazendo o seu trabalho” aos olhos dos munícipes, e por isso merecesse ganhar votos.

Em outros anos, porém, a memória das ações e obras se dilui e é mais fácil que a população se lembre das dificuldades do momento do desastre e posterior reconstrução da cidade. Com isso, os eleitores tendem a “punir” o gestor municipal nas urnas.


O estudo mostra que, em 2016, a chance de um prefeito ter sido reeleito aumentou em 447% caso o seu município recebesse alguma declaração de emergência. Mas eles perdiam 83% das chances caso uma grande inundação (o pior evento em termos de impacto, segundo o estudo) ocorresse na cidade fora do ano eleitoral.

Para chegar a esse resultado, o pesquisador da Fundação Getulio Vargas Ítalo Soares combinou indicadores socioeconômicos a um quociente de impacto de desastres. Ele utilizou dados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres, do governo federal, e dividiu o número de atingidos (entre mortos, feridos, desalojados e desaparecidos) pela população total no ano de referência, entre 2013 e 2016.


Soares explica que o modelo não pode ser aplicado para prever os resultados das eleições deste ano porque ele utilizou uma média dos dados de todas as cidades do país – já uma análise individualizada demandaria mais informações. Afinal, a realidade socioeconômica e política de uma cidade como São Paulo é muito diferente da de uma do interior do Rio Grande do Sul.

Ao mesmo tempo, o estudo, que fez parte da tese de doutorado de Soares, mostra também que ações de prevenção a desastres têm pouco impacto nos resultados eleitorais. Entenda na entrevista com o pesquisador.

Qual a relação entre mudanças climáticas e eleições?

Já existe um bom conjunto de estudos revelando que os eleitores levam em conta fenômenos climáticos no momento de escolher seus líderes. A ocorrência de secas e enchentes pode ser encarada como imprudência na gestão de políticas públicas, como planejamento urbano, saneamento básico, manejo de resíduos e fluxos de água, entre outros. As pesquisas, no entanto, não são taxativas.

Não é porque acontece um desastre climático em dada região que a população logo estabelecerá sua culpa sobre a liderança política do momento. A força desta relação depende da magnitude do impacto climático, do nível de renda e educação da população, do nível de competição política local, do grau de informação e da conectividade e o tipo de desastre. Mas, dado que os fenômenos climáticos extremos tendem a se agravar, é certo que a relação entre eles e as eleições se fará cada vez mais presente.

Pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, Ítalo Soares


 

Como os desastres climáticos podem afetar a democracia?

Desastres naturais podem ser entendidos como eventos externos ao sistema político que exigem alguma forma de gerenciamento do Estado. Eles introduzem na agenda governamental uma situação que deve ser rapidamente manejada. Também podem escancarar falhas crônicas de governo, como incapacidade técnica, falta de orçamento e até corrupção e violência estatal. Neste sentido, a crise climática pode ser um fator de tensionamento constante da democracia, exigindo que este modo de relação política entre em crise de legitimidade.

Para ficar em um exemplo recente, o desastre do Rio Grande do Sul desencadeou uma crise política forte na região (e talvez em todo restante do Brasil, que foi afetado indiretamente), com enfraquecimento da legitimidade de lideranças políticas e o surgimento de iniciativas de base, mobilizadas pela extrema direita, em um movimento quase anarcocapitalista do “nós por nós”. A inapetência para ações rápidas e coordenadas terminou por radicalizar a população civil ante a presença de agentes estatais, como policiais e fiscais de trânsito. Até mesmo as forças militares foram deslegitimadas e ridicularizadas. Formou-se uma rede informal de pessoas da sociedade civil e influencers que se mobilizou e ganhou uma projeção que, depois, pode ser usada na política.

Como as questões climáticas podem determinar se um prefeito será reeleito ou não?

Em um dos meus artigos, tento compreender se a ocorrência de desastres é relevante para o potencial de reeleição de prefeitos no Brasil. Consegui observar que, além das variáveis tradicionais, como emprego e renda, os eleitores brasileiros levam em consideração a ocorrência de desastres como fator de punição de prefeitos. No modelo, implica em menor potencial de reeleição os casos em que os desastres acontecem em anos anteriores à eleição, e de maior potencial de reeleição caso os desastres ocorram em ano eleitoral. Este resultado ambíguo acompanha a literatura brasileira, que é bastante breve, e a literatura internacional.


Por que isso acontece?

Ao mesmo tempo que o impacto do desastre escancara falhas estruturais da cidade, o desastre torna-se palco para exposição frequente de ações de prefeitos, que não se eximem de mostrar serviço diante de um cenário catastrófico. O Brasil conta com diversos dispositivos legais com brechas para socorrer municípios e estados em momentos de crise, sobretudo com envio de orçamento através de operações de créditos extraordinários e de suspensão de dívidas e outros encargos. Assim, o desastre pode se revelar politicamente como um “bom negócio”, já que o prefeito da ocasião ganha quase carta branca para gastos imediatos e de alta visibilidade – como entrega de água potável e obras e infraestrutura.

Pode dar um exemplo?

Um caso muito interessante é do Pedro Aihara, um bombeiro que atuou no desastre de Brumadinho, ganhou projeção e foi eleito deputado federal. Ele foi eleito com uma pegada mais à direita, mostrando que a gestão de desastres é uma agenda manuseada por todo espectro político.

Tomando como base o estudo, é possível fazer uma previsão de tendência para as cidades onde houve eventos extremos, como Porto Alegre e outras cidades do Rio Grande do Sul, nas eleições de 2024?

Não. Com vistas a generalizar o resultado, analisei somente até as eleições de 2016. O peso do covid-2019, que ainda é difícil de mensurar, dificultou a análise das eleições posteriores. E não é possível replicar o modelo em casos individuais porque a realidade de cada município é muito diferente uma da outra, e seria preciso mais informações para que não fosse apenas um exercício de especulação.

Medidas de prevenção a desastres também podem se converter em votos?

Em um dos artigos, tento observar se a presença de capacidade gerencial nos municípios trouxe algum impacto eleitoral. Capacidade gerencial compreende um número grande de variáveis, como se o município tem plano diretor atualizado ou boas diretrizes para a gestão ambiental, Defesa Civil, plano de incêndio, entre outros. Mas os resultados, em geral, são decepcionantes. Ter maior capacidade gerencial não implica necessariamente em menor impacto. Uma explicação possível é que a construção de capacidade para antecipar desastres não é tida pela população como política pública fundamental para estabelecer seu voto. O fortalecimento da Defesa Civil, por exemplo, é um esforço grande que exige recursos orçamentários, tecnológicos e humanos que pode passar totalmente imperceptível aos olhos do eleitor médio, que talvez só se dará conta quando ocorrer um momento crítico. Então não há grandes incentivos para investimentos preventivos para gestão de desastres.

Com o acirramento da crise climática, este tema deve ser mais central nas eleições deste ano?

Acredito que não será. Um primeiro motivo é que a agenda ambiental infelizmente ainda é de preocupação de um pequeno nicho de eleitores. Um segundo motivo é que acredito que, sobretudo nas grandes cidades, a eleição tende a ser polarizada entre um candidato “do [presidente] Lula” e outro candidato “do [ex-presidente Jair] Bolsonaro”. A ala bolsonarista tem explícita aversão às políticas de proteção ambiental, como foi possível observar na última gestão presidencial.

Já a ala lulista, embora apresente preocupação com a pauta, com destaque para a agenda climática internacional, está atrelada a polêmicas decorrentes de decisões recentes do governo, como a exploração do petróleo na foz do rio Amazonas, a greve no Ibama e a dificuldade em reduzir queimadas no Pantanal. Acredito que será uma pauta estrategicamente silenciada no período eleitoral. Mas alguns candidatos talvez destaquem a questão ambiental. É o caso da candidata [e atual deputada federal] Duda Salabert (PDT-MG) em Belo Horizonte, que fará uma campanha com lixo zero e costuma apresentar propostas ousadas na agenda ambiental.

O que é resiliência urbana e como as gestões municipais podem se aperfeiçoar nisso?

Resiliência urbana é a capacidade de uma cidade retornar às condições iniciais urbanas após sofrer um desastre como uma enchente, terremoto ou seca. A primeira questão para se ter resiliência urbana é ter um bom planejamento do uso do solo. Um Plano Diretor bem desenhado, com aportes técnicos, preocupação social, tende a fazer um uso racional da cidade e retirar pessoas de locais vulneráveis. Tem que respeitar o fluxo dos rios, o fluxo da água nos momentos de seca e chuva extrema, entre outros.

Também é importante uma Defesa Civil com recursos tecnológicos e financeiros para atuar em momentos de crise e comunicação horizontal e rápida com a população, com líderes políticos (prefeito ou lideranças comunitárias) ágeis. Num momento de desastre tudo sai do controle, então é preciso fazer treinamentos com a população, antecipar. Estou em Minas Gerais agora e algumas cidades aqui têm treinamento para o caso de rompimento de barragens. Para que, quando a população seja atingida, não seja pega desprevenida. Também é importante ter dispositivos institucionais do governo federal para que o ente público tenha acesso a crédito, possa renegociar suas dívidas e outros mecanismos para ajudar a reconstruir a cidade.

Como os municípios devem agir para que os desastres não se transformem em crises políticas e humanitárias mais graves?

É preciso reforçar o planejamento urbano no Brasil, resolver a questão das moradias irregulares e integração das populações vulneráveis num processo de urbanização mais profundo – entra aí o debate sobre racismo ambiental e desigualdade. Quem é mais penalizado é sempre a população mais vulnerável.

 




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