NA SEMANA DA MULHER
Vereador pede “auxílio religioso” às vítimas de estupro pra evitar abortos
Pedido de parlamentar ao Executivo vai contra o direito ao aborto legal em caso de estupro
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]

Proposta do vereador de Itajaí Beto Cunha (PSDB) defende um “auxílio religioso” às vítimas de estupro para evitar abortos. Antes mesmo de ser enviada ao Executivo, a medida já gerou críticas de mulheres e de profissionais de saúde. Elas denunciaram que a ideia vai contra o que prevê a lei federal de crimes contra a dignidade sexual e o Estado laico.
A indicação do parlamentar, que não precisa passar por votação é um pedido ao município para que o atendimento às adolescentes e mulheres grávidas vítimas de estupro leve em conta "o direito à vida, com oferta de auxílio multidisciplinar, assistencial e religioso contra casos de aborto".
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Em grupo de WhatsApp de mulheres de Itajaí, o descontentamento em relação à proposta do vereador já predomina. As integrantes lembraram que a indicação foi feita na câmara bem na semana do Dia da Mulher. O pedido deu entrada na segunda-feira, com previsão de ser lido na sessão de terça, o que não ocorreu e aguardava novo agendamento. A indicação foi enviada ao Executivo na sexta-feira, dia 10.
“O vereador ao invés de se preocupar com o combate às causas do estupro de mulheres, optou pelo lado mais fácil e midiático, que é atuar na vítima pós-estupro”, criticou uma das mulheres do grupo. “Além de não criar ações para combater a origem do problema, sugere perturbar ainda mais a vítima que já está tão fragilizada”, considerou.
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Para ela, o “auxílio religioso” solicitado pelo vereador representa uma interferência do município por meio de crença pessoal nos direitos reprodutivos das mulheres, na tentativa de convencê-las a não abortarem. “Prática também inadmissível em um Estado laico”, disse.
No grupo, as mulheres ainda apontaram que a proposta não tem cabimento porque a legislação federal garante o direito ao aborto legal nos casos de violência sexual. O direito está resguardado na lei 12.015/2009, que trata dos crimes contra a violência sexual.
Mascarar abusos
A advogada Adriana Clara Bogo dos Santos, presidente da Comissão de Prevenção e Enfrentamento à Violência Doméstica da OAB de Itajaí, reforça o entendimento de que as mulheres já têm garantido em lei o direito ao aborto em situações de estupros. “Esse já é um direito da vítima. Condicionar isso, acho que viola esse direito. Eventual assistência, como proposto, parece soar como uma tentativa de dissuadir essas vítimas de sua decisão que, eventualmente, já foi tomada”, analisa, frisando que qualquer decisão vai envolver a família, médicos e equipe de apoio que atendam essas mulheres na área da saúde.
Adriana ainda alerta que a proposta pode prejudicar a denúncia de casos de violência sexual. “Já sabemos que temos um grave problema de abusos sexuais contra adolescentes não denunciados. Acho que essa medida pode contribuir para mascarar ainda mais essas violências”, considerou.
“Necessidade de amparo”
De acordo com o vereador, o pedido ao executivo leva em conta o direito fundamental à vida. Ele destacou que recebe muitos relatos de famílias de vítimas de estupro que ficam desamparadas após realizarem o aborto.
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“As famílias nos informam que recebem todo o amparo antes da realização desse ato contra a vida, porém depois são esquecidas. Primeiro, o que queremos é que o direito à vida seja preservado, depois, que o poder público preste os auxílios necessários para as vítimas”, defendeu.