ITAJAÍ
MP investiga liberação de prédio de nove andares na orla de Cabeçudas
Concessão de outorga liberou prédio três vezes mais alto do que o limite permitido pelo plano diretor para a beira-mar
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]
A 10ª promotoria de Justiça de Itajaí, da curadoria regional de meio ambiente, abriu inquérito civil para apurar denúncia de irregularidade na construção de um empreendimento na esquina das ruas Juvêncio Tavares do Amaral com a Augusto Luiz Voigt, no bairro Cabeçudas. A investigação foi aberta após denúncia da associação de moradores. A entidade aponta que a aprovação de outorga para nove andares no local foi feita sem exigência de Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV).
A concessão de outorga onerosa, que permite construir acima do limite padrão mediante pagamento de contrapartida financeira, foi aprovada pelo Conselho Municipal de Gestão e Desenvolvimento Territorial de Itajaí. Para a Associação de Moradores de Cabeçudas, apesar de a outorga ser prevista para a área, a liberação está sujeita à avaliação dos impactos da obra, podendo ser negada pelo conselho no caso de prejuízos urbanísticos, paisagísticos e na infraestrutura do bairro, o que seria justamente o caso.
“Tal empreendimento é de grande impacto na região, onde foram desvirtuados diversos fatores, para sustentar o licenciamento, em alguns aspectos ocorrendo à margem dos princípios legais que regem o direito urbano e ambiental, dos princípios do Estatuto da Cidade, e da Lei de Crimes Ambientais Nº 9605”, acusa a presidente da associação, Maria Inês Freitas dos Santos, destacando a necessidade de EIV para a obra.
O entendimento da associação é de que a liberação do empreendimento também desrespeita as peculiaridades do bairro, marcado por características históricas, ruas estreitas e verticalização controlada ao longo das décadas. Maria Inês lembra que a legislação municipal prevê critérios técnicos e objetivos para enquadramento quanto ao nível de impacto local, devendo ser considerados aspectos como transporte, meio ambiente, patrimônio cultural, infraestrutura, perfil socioeconômico e padrões urbanísticos.
“Projetos apresentados para aprovação na Secretaria Municipal de Urbanismo deveriam ser analisados com a proporcionalidade do impacto local e não global para a cidade”, destaca. Ela lamenta, no entanto, que nem estudo de impacto e nem critérios de avaliação estão sendo observados pela prefeitura ao liberar os alvarás de construções.
“Uma vez apresentados projetos desproporcionais e causadores de impacto, deveria ser exigido EIV e este instrumento ou critérios que o equivalem não são exigidos pela Secretaria de Urbanismo e Habitação na avaliação dos projetos”, completa.
Limite padrão é de térreo mais dois pavimentos
O limite padrão pelo atual plano diretor para o terreno na primeira quadra da praia é de térreo mais dois pavimentos. A concessão de outorga leva em conta a área do terreno e a infraestrutura da rua, mas vai contra a proposta aprovada para o novo plano diretor, projeto que ainda aguarda ser encaminhado para votação na Câmara de Vereadores.
Se as novas regras já estivessem vigentes, o empreendimento não seria liberado porque passaria do limite máximo previsto na beira-mar. A proposta aprovada pelo colegiado para Cabeçudas é de altura até três andares nas duas primeiras quadras da orla, até quatro andares na terceira quadra e até oito andares na última quadra – nesse caso valendo só em ruas com mais de 8,5 metros de largura.
Um urbanista ouvido pelo DIARINHO disse que, independentemente dos índices aprovados, a outorga não deveria ser liberada porque a lei de Estudo de Impacto de Vizinhança ainda não foi regulamentada e porque o bairro tem uma peculiaridade estrutural e limitações claras.
“Um empreendimento deste porte se demonstra como sendo de grande impacto e deveria respeitar as limitações locais como acontece em todas as cidades que aplicam tal instrumento de desenvolvimento urbanístico [outorga onerosa], coisa que a prefeitura vem se esquivando em fazer”, critica.
Ele comenta que a outorga deve ser usada com critérios técnicos e não de forma desenfreada, devendo respeitar as características de cada local. “Querem colocar um elefante (ou vários) dentro de um Fusca. Não cabe”, compara, observando que o início das obras no terreno já adianta os problemas que serão provocados no bairro.
Empresa alega que usou o índice permitido
O empreendimento no local é da ABF & Vaccaro Construtora e Incorporadora, uma sociedade formada pelas empresas ABF Construtora e CDL Participações. O terreno do novo prédio se estende desde a beira-mar até a rua Floriano Peixoto, contornando a Augusto Luiz Voigt, onde antes funcionava um pátio de estacionamento.
O projeto recebeu as licenças ambientais prévias e de instalação neste ano, o que permite o início das obras. O terreno foi cercado e o canteiro de obras está sendo montado. Na frente do terreno, já há a estrutura para abertura do plantão de vendas.
O sócio da ABF Construtora, Ari Bellini Filho, confirmou que o empreendimento teve concessão de outorga. “Estamos utilizando o índice permitido de edificação. Quando optamos em ter outorga, não quer dizer que ganhamos área construída e, sim, altura.
Porém, a torre tem uma taxa de ocupação menor no terreno”, justifica. Sobre a questão do EIV, ele ressaltou que trata-se de um estudo realizado pela prefeitura. A secretaria de Urbanismo não respondeu aos questionamentos do DIARINHO sobre o projeto.
A proposta do novo plano diretor de Itajaí recebeu ajustes técnicos pelos delegados que compõem o colegiado de revisão do plano. O documento agora está com a procuradoria-geral do município, onde passa por uma revisão jurídica antes de ser encaminhado à Câmara.
Ligação de esgoto irregular
Nesta semana, uma denúncia foi enviada à Ouvidoria da prefeitura apontando que o empreendimento estaria fazendo uma ligação irregular de esgoto na rede de drenagem pluvial da rua transversal Augusto Luiz Voigt.
A denúncia pede fiscalização da prefeitura para apurar possível crime ambiental. A queixa também pede que seja fiscalizado se o empreendimento está cumprindo o licenciamento ambiental, que proíbe a drenagem do lençol freático no terreno.
A construtora explicou que o serviço que estava sendo feito na rua não tem nada a ver com a obra, sendo trabalho da prefeitura para mudança das bocas de lobo. A empresa informou que, mais para frente, a obra terá ligação pluvia no sistema pluvial da rua.