O rolo começou em julho do ano passado, quando a polícia Civil deu um atraque pra guentar bebidas falsificadas no camelô da Maravilha do Atlântico. Na ocasião, os tiras prenderam o irmão de Iury, Irineu Bittencourt Filho, 30, por falsificar uísque, e ainda enquadraram o comerciante e o pai dele por descaminho e contrabando. Pelo que foi divulgado na época, os tiras cataram cerca de seis mil garrafas de bebidas, que lotaram quatro caminhões. O problema, segundo Iury, é que a maioria das bebidas apreendidas foi comprada legalmente e, mesmo assim, nunca foi devolvida. O que eu tinha sem nota não chegava a R$ 50 mil, mas cadê o restante da mercadoria?, questiona Iury.
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Há cerca de três meses, os indícios de que havia algo errado na apreensão viraram evidências. Iury flagrou um concorrente do camelódromo carregando uma caixa de vinhos que teria sido apreendida na sua banca. Tinha uma anotação que eu fiz à caneta com a minha letra, era a minha mercadoria que havia sido apreendida pela polícia e pelo jeito foi vendida pra um concorrente, conta. Revoltado, começou a saga à procura de justiça. O empresário contratou um advogado e registrou um boletim de ocorrência. O delegado Márcio Luiz Colatto está no comando do inquérito que investiga o sumiço das bebidas, mas se negou a dar detalhes sobre a investigação.
Golpista ficou como fiel depositário da bebida
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Iury denuncia que o fiel depositário da carga de bebidas é Alexandre Dias Pereira, 42, que seria um baita estelionatário que deu o nó em todo mundo. Segundo o comerciante, logo depois da apreensão, Alexandre o teria procurado pedindo R$ 80 mil pra soltar seu irmão e devolver toda a mercadoria. A proposta não foi aceita. Os documentos da operação, comandada pelo delegado Rodrigo Coronha, comprovam que o fiel depositário das cargas é mesmo Alexandre, que se identificava pra todos, inclusive pra imprensa, como perito operacional e membro da Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF).
No documento assinado pelo delegado, Alexandre é identificado como representante da associação Brasileira de Bebidas (Abrabe). Tudo migué. A assistente jurídica da associação, Neilde Geuliana, ouvida pelo DIARINHO, afirma que Alexandre não faz e nunca fez parte da Abrabe. Não temos representantes que atuam assim. Também desconheço que a polícia tenha contatado a associação a respeito desse homem, informa.
Rodolpho Ramazzini, diretor de comunicação da ABCF, também afirmou que o cara nunca trabalhou ali e que a associação não teve qualquer participação na operação Hangover, ano passado. Seguramente não participamos dessa operação e esse cara nunca trabalhou com a gente. Se ele está usando o nome da ABCF, vamos processá-lo, lasca.
Tem rabo
Pra piorar o enredo da história, Alexandre, que é natural de Porto Alegre/RS, tem 11 passagens pela polícia, por crimes como furto e estelionato. Em janeiro deste ano, ele foi preso por furto em Itapema e está em liberdade provisória da unidade Prisional Avançada (UPA). Agora eu pergunto: como que a polícia deixa um criminoso como fiel depositário da minha mercadoria?, lasca Iury.
Sem retorno
Apesar de ter rolado em Balneário Camboriú, a operação foi comandada pelo delegado da Capital da Pedra, Rodrigo Coronha. Na época, Coronha disse ao DIARINHO que todo o material recolhido seria analisado pela equipe do instituto Geral de Perícias (IGP) e só depois encaminhado pra Receita Federal. A reportagem tentou inúmeras vezes entrevistar o delegado Coronha, deixou, inclusive, recados na delegacia do Monte Alegre, mas ele não retornou as chamadas.
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Segundo a coordenadora do IGP, Lucia Beduschi, 66 garrafas de bebidas apreendidas no camelódromo foram levadas para análise e os laudos foram entregues ao delegado do caso. Ela não soube informar qual foi o resultado da apuração. A dotora afirmou que nunca teve contato vom as cerca de seis mil garrafas apreendidas.
Corregedoria pode investigar
O corregedor da polícia Civil do litoral da Santa & Bela, José Celso Corrêa, informou que até agora não recebeu nenhuma denúncia sobre o sumiço das bebidas. Uma sindicância pode ser aberta pra elucidar o caso. Celso confirmou que se os produtos apreendidos tivessem notas fiscais comprovando a origem, deveriam ter sido devolvidos ao comerciante. Se não tem, é um produto falsificado, mas se tem procedência, nota fiscal, deve ser restituído ao proprietário, afirma.
O chefe do depósito de mercadorias apreendidas da Receita Federal de Itajaí, I.K.R., que preferiu informar apenas as iniciais de seu nome, explicou que parte das bebidas apreendidas no ano passado está nos galpões da Receita, mas o volume é bem menor do que os quatro caminhões apreendidos. Não chega nem perto disso, , revela. I. diz que não pode dar mais detalhes sobre o caso, mas explica que o material foi entregue ali por decisão da justiça federal. A mercadoria só vai ser liberada por determinação da justiça, diz.
Estado é responsável por carga mesmo estando com fiel depositário
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Segundo o advogado Luiz Fernando Ozawa, fiel depositário é aquela pessoa que fica responsável por um bem apreendido. O mais comum é que seja por decisão judicial. Eu desconheço que a autoridade policial tenha essa prerrogativa de nomear um depositário fiel numa apreensão, explica.
No caso do empresário Iury, se for confirmado que a bebida sumiu enquanto estava em posse do tal fiel depositário, o delegado responsável pela apreensão poderá até ser processado. Se a legalidade da mercadoria foi comprovada e ela foi extraviada, o Estado vai ser obrigado a indenizar. O Estado é o responsável civil, explica. Além de processar o Estado, se for confirmado que a bebida sumiu, quem ficou com ela pode ser processado por apropriação indébita, estelionato e até furto.
Nova operação rolou na banca esta semana
Coincidentemente, logo depois que Iury e o pai vieram ao DIARINHO fazer a denúncia do desaparecimento da mercadoria, quinta-feira de manhã, a polícia Civil baixou novamente na banca do comerciante pra fazer uma nova busca atrás de produtos falsificados. De acordo com o delegado da divisão de Investigações Criminais (DIC), Osnei Valdir de Oliveira, a operação rolou porque há três semanas houve uma representação criminal pra investigar a banca.
Osnei diz que sabia por cima do inquérito que investiga o sumiço das mercadorias apreendidas no ano passado, mas garante que a ação de quinta-feira não tem nada a ver com isso. O mandado de busca e apreensão está comigo desde a semana passada, informa.
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Além da banca de vinhos que Iury mantém há sete anos no camelódromo, os tiras da DIC bizolharam outra banca que estava fechada e a casa da tia do empresário, Sandra Correia, 48, que fica na rua 910. Nada foi encontrado na casa, fala Osnei. Na banca, os tiras encontraram cerca de R$ 15 mil em mercadorias sem nota fiscal.
Isso aqui é um camelô, por todos os lados que os policiais olharem vão encontrar mercadorias frias, lasca Iury, que vai responder novamente pelo crime de contrabando. Pra Iury não resta dúvidas de que a nova ação da polícia é perseguição. Existem cinco bancas de bebidas no camelô, por que vieram só na minha?!, questiona.
Segundo o delegado Osnei, a polícia investiga as bancas quando há denúncia ou representação criminal. Por isso, mesmo sabendo que todo mundo ali tem mercadoria fria, os tiras baixam apenas na banca de Iury.