O coordenador do programa de Combate à Dengue também dá as dicas para o povão usar flores sem dar chances pro mosquito transmissor da doença se alojar.

A professora Maria Terezinha Lemos Annibelle, 62 anos, levou material de limpeza e flores novas para ajeitar e enfeitar o jazigo da família na manhã de quarta-feira. Maria Terezinha é católica e não abre mão da devoção aos mortos. “Também mandamos rezar missas pelas almas”, conta. Para não deixar o local encardido, durante o ano a família paga uma diarista para manter o túmulo sempre ajeitado. “Mas nessa época a gente vem aqui pra deixar tudo pronto”, fala.

A aposentada Evandina Paiva Lemos, 84, mãe de Maria, não passa um ano sequer sem ajeitar as flores nos dias que antecedem os Finados. Ela conta que no jazigo no qual a filha ajeita as pedrinhas brancas e troca as flores estão enterrados mais de 20 parentes. “Eles ficavam no antigo cemitério, mas em 1930 ou 31, não lembro bem, a igreja pediu para que as famílias retirarem os ossos de lá pra construírem a igreja nova, a Matriz”, explica. De lá pra cá, os ossos de toda a família, mesmo os que são enterrados em outros locais, são levados para o mesmo túmulo, que ganhou flores novas ontem, contou Evandina.

Enquanto as famílias se juntam para fazer a limpeza, a dona de casa Mirim de Quadros, 38, aproveita a data pra ganhar uma graninha. Volta e meia ela faz bicos como diarista. Com vassoura e balde a postos, ela conta que, desde ontem, nem precisava mais anunciar o trabalho. “Agora eles me chamam direto, acho que me veem com as luvas e já me chamam pra limpar”, comemora. O preço da faxina varia de 10 a 25 reais. “Mas tem túmulo que dá pra cobrar até R$ 50, depende do tipo e do tamanho”, explica.

Além de varrer e escovar, a limpeza completa inclui uma passada de cera. Em menos de duas semanas de trampo, Miriam já conseguiu 300 pilas. “ Minha irmã, que já é conhecida do pessoal, conseguiu juntar 600 reais com as faxinas que faz. Ela vai usar o dinheiro pra comprar o fogão novo dela”, diz Miriam.

A trabalhadora diz que não sente nenhuma dificuldade em trabalhar no cemitério. “Quem pode fazer mal pra gente são os vivos”, discursa. Mesmo assim, ela confessa que tem uma superstição. “Nunca levo nada de dentro do cemitério, nada mesmo, pois se foi oferecido para os mortos é deles”, fala.

Enquanto as famílias deixam para ajeitar os túmulos na semana dos Finados, a prefeitura tem montado um esquema pra não deixar tudo para a última hora. O secretário Zanelato diz que, desde o ano passado, não rola mais mutirão antes dos Finados, pois, segundo ele, a determinação é deixar o local nos trinques o ano todo. “A única coisa que vamos intensificar é a coleta de entulho, porque chega a ser 10 vezes maior do que o normal”, explica.

Na sexta-feira de manhã cedinho, os peões da secretaria de Obras vão dar a última geral pra deixar tudo arrumado para o sábado de oração e devoção. A partir de sexta, as reformas estão proibidas em todos os cemitérios de Itajaí: Fazenda, Espinheiros, Itaipava e Brilhante.

Livre da dengue

Quem também está presente nos cemitérios é o pessoal do Combate à Dengue. Lúcio Vieira, coordenador do programa, explica que neste ano foram colocadas placas nos cemitérios com orientações para o povão prevenir o mosquito da dengue. “O certo é não colocar vasos que acumulem água. A flor natural pode ser usada, desde que o pratinho esteja furado no fundo ou cheio de areia”, explica. Mesmo a orientação sendo mais antiga que andar pra frente, Lúcio diz que ainda é comum ver o povo colocar até flor artificial dentro de vaso com água. Para evitar a proliferação de focos do mosquito da dengue, a cada 15 dias um fiscal do programa percorre cada cemitério pra fazer a fiscalização, limpeza e coleta das amostras.

Criançada trampando na limpeza dos túmulos

Ao chegar no cemitério municipal da Fazenda, o que mais chama atenção é a grande quantidade de guris pequenos se oferecendo para trabalhar. Com material de limpeza nas mãos, cerca de 20 menores de idade se oferecem pra fazer um bico esfregando os túmulos. O administrador do local diz que a situação se repete todos os anos e lasca que o conselho tutelar não fiscaliza. Trabalho infantil é crime e, assim como os pais dos menores, as pessoas que contratam o trampo podem se entender com a dona justa.

M.A. tem 14 anos e trabalha com a limpeza de túmulos desde os nove anos. “Sempre faço isso”, diz. O guri garante que os pais sabem e o deixam trabalhar. Ele conversou com a reportagem e deixou escapar que estuda durante a manhã, mas ontem faltou a escola e estava no cemitério. “Pois é, hoje eu faltei”, disse.

Outro guri que oferecia o trampo ontem de manhã era J.T. Ele garante que já tem 18 anos, mas confessa que trampa no cemitério em época de Finados desde os 10. O guri jura que estuda à noite e fala que o povo nem se importa com a idade deles na hora de contratar o serviço. “Tiro R$ 120 por dia aqui”, comemora.

O administrador do cemitério, Marco Antônio Frema, diz que todos os anos acontece a mesma coisa: um monte de crianças trabalhando. Ele fala que há cerca de um mês mandou um ofício ao conselho tutelar avisando sobre o perrengue, mas não obteve resposta. “Solicitei que o conselho fizesse um trabalho com as famílias e com as próprias crianças. Jamais uma criança deveria estar lavando túmulo. Todo o trabalho dentro do cemitério é insalubre, ainda mais pra crianças”, lasca.

O administrador jura que orienta o povão a não contratar crianças, mas não existe nenhum cartaz com a orientação em todo o cemitério. Marco diz que não pode proibir a entrada dos moleques, porque o cemitério é um local público e acusa o conselho tutelar de fazer corpo mole. “O conselho deveria fazer o trabalho deles”, lasca.

O advogado do conselho tutelar peixeiro, Carlos Augusto Pinheiro Silvestre, jura que não recebeu nenhuma denúncia de trabalho infantil no cemitério, mas ficou de fiscalizar. “É errado, porque a criança tem que estar na escola. O adolescente até pode trabalhar a partir dos 14 anos, mas na condição de aprendiz, em alguma empresa que esteja regularmente inscrita nesse no programa, que é do Ministério do Trabalho”, explica.

Segundo Carlos, se o trabalho infantil for confirmado, os conselheiros devem aplicar as medidas protetivas, que é inscrever a piazada na escola e ter um plá com os pais que, no mínimo, podem responder processo na dona justa “Tem que ser feita uma investigação mais profunda, pra ver se há exploração”, alerta.

De acordo com ele, em casos assim o conselho também faz a denúncia à secretaria do Bem Estar Social, que acompanha a situação da família e pode incluí-la em algum programa social do governo. Além de dar uma prensa nos responsáveis, Carlos explica que as pessoas que contratam os menores também podem se ferrar. “Podem ser representadas no Ministério Público, porque fere o direito do adolescente previsto no artigo 60 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que proíbe qualquer trabalho a menor de 14 anos, salvo na condição de aprendiz”, explica.

Carlos prometeu fiscalizar a situação do cemitério ainda ontem.