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Negros na vida social de Itajaí sob os olhares negros


Negros na vida social de Itajaí sob os olhares negros
(foto: divulgação)

Recentemente, por ocasião do feriado nacional do dia 20 de novembro, ‘Dia Nacional da Consciência Negra’, lemos na edição de veículo de informação um artigo intitulado: Negros na vida social de Itajaí. Tal artigo causou algum desconforto entre militantes do movimento negro organizado de Itajaí, por algumas razões que vamos enumerar.

Falar de contribuição do negro na constituição da nação brasileira é muito pouco. Os africanos escravizados e seus descendentes construíram a estrutura, sobretudo econômica da sociedade brasileira, e não por acaso o italiano João André Antonil escreveu (1711): “Os escravos são as mãos e os pés dos senhores de engenho”; mas antes dele, Antônio Vieira (1648) já havia dito: “Sem negros, não há Pernambuco, e sem Angola, não há negros”. Onde ele diz Pernambuco, leia-se Brasil, e onde fala Angola, leia-se África.

Outra questão são algumas categorias de análises já obsoletas, que não é de bom tom usar no tempo presente, pois que são “filhas” da antropologia colonialista, tais como população de cor negra. A categoria utilizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é população negra (a soma dos que se autodeclaram pretos e pardos); a categoria mulato, que segundo o dicionário Houaiss, até o século XVI era utilizada para identificar o animal mestiço, ou seja, o cruzamento entre cavalo com jumenta. Numa época em que lutamos por uma escrita “decolonial”, termos como estes estão “fora de lugar”. Relembrando o intelectual Amílcar Cabral (Guiné Bissau): “Precisamos descolonizar as mentes”.

Consideramos, no mínimo, miopia, falar da vida social da população negra em Itajaí, sem mencionar os movimentos negros organizados no tempo presente. Temos no mínimo cinco movimentos organizados ...

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Falar de contribuição do negro na constituição da nação brasileira é muito pouco. Os africanos escravizados e seus descendentes construíram a estrutura, sobretudo econômica da sociedade brasileira, e não por acaso o italiano João André Antonil escreveu (1711): “Os escravos são as mãos e os pés dos senhores de engenho”; mas antes dele, Antônio Vieira (1648) já havia dito: “Sem negros, não há Pernambuco, e sem Angola, não há negros”. Onde ele diz Pernambuco, leia-se Brasil, e onde fala Angola, leia-se África.

Outra questão são algumas categorias de análises já obsoletas, que não é de bom tom usar no tempo presente, pois que são “filhas” da antropologia colonialista, tais como população de cor negra. A categoria utilizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é população negra (a soma dos que se autodeclaram pretos e pardos); a categoria mulato, que segundo o dicionário Houaiss, até o século XVI era utilizada para identificar o animal mestiço, ou seja, o cruzamento entre cavalo com jumenta. Numa época em que lutamos por uma escrita “decolonial”, termos como estes estão “fora de lugar”. Relembrando o intelectual Amílcar Cabral (Guiné Bissau): “Precisamos descolonizar as mentes”.

Consideramos, no mínimo, miopia, falar da vida social da população negra em Itajaí, sem mencionar os movimentos negros organizados no tempo presente. Temos no mínimo cinco movimentos organizados, e alguns deles reconhecidos como de utilidade pública municipal. E mais, é importante destacar pessoas, mas consideramos que precisamos dar ênfase à coletividade; ou seja, as organizações históricas como espaços de resistência à discriminação, preconceito e formas correlatas. As lutas coletivas representam um aspecto da filosofia do povo Bantu: “Ubuntu” (Eu sou porque nós somos).

Quanto ao fato de o nome do professor Manoel Ferreira de Miranda não ter sido aceito para denominar uma escola estadual no município – o atual Henrique Midon –, ali teve as ‘digitais’ do então governador Irineu Bornhausen, seu ex-aluno. Fato que foi publicado em algumas edições na coluna ‘Flechando’ do jornal O Estado, em 1953, assinado por um Guilherme de Tal.

Desde a década de noventa, a produção acadêmica sobre a população negra de Itajaí, que até então era ínfima, ganhou fôlego, inclusive com pesquisadores e pesquisadoras negros e negras. Cito aqui o trabalho acadêmico de Tâmara Belizário sobre o Clube Sebastião Lucas, o do saudoso professor Moacir da Costa, sobre o Cruz e Souza. Há ainda outros, tais como: o de Silviane Maria Vieira Voitis, que abordou a trajetória do Bloco de Carnaval que dá nome a uma das matriarcas de Itajaí (já falecida) Odair Rosa da Silva, a “Tia Lóca”; o trabalho de Euclides José da Cruz, sobre a presença dos angolanos em Itajaí; a pesquisa de Janaína Naíldes da Silveira, também sobre o Clube Sebastião Lucas; o trabalho de Dâmaris Raimundo no campo da religiosidade de matriz africana em Itajaí.

Ao que nos parece, faltou ao autor do referido artigo fazer uma revisão bibliográfica, ou fazer “o estado da arte” acerca da produção local sobre o tema em tela. Limitou-se a citar o memorialista Juventino Linhares, que como escrevemos num artigo publicado no Anuário de Itajaí, no ano de 1999, intitulado: As representações do negro nas memórias de Juventino Linhares. Neste artigo, mostramos as formas estereotipadas como os negros eram vistos na sociedade local. Portanto, entendemos que é uma referência limitada sobre a população negra de Itajaí de ontem.

Por fim, queremos ainda lembrar que faltou mostrar o empreendedorismo negro em Itajaí, tanto do passado, quanto do presente: Germano Mariano Belizário, Vovó Carola e, nos dias de hoje, os pequenos empreendimentos dos migrantes haitianos presentes sobretudo nos bairros da cidade; enfim, a vida social do negro em Itajaí vai muito além do que foi escrito. Pelo Movimento Social Negro Organizado de Itajaí.


   *Militante do Núcleo Afro Manoel Martins dos Passos da Foz do Itajaí; com graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado em História; prof. aposentado na UFPE e do quadro permanente do mestrado e doutorado da mesma Instituição; prof. visitante no doutorado interdisciplinar em Ciências Humanas na UFSC e do Kadila – Instituto de Estudos da África e das Diásporas na UFSC.


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