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O dono da política


O dono da política

Para Listis havia mais um compromisso a participar. Daqueles que se contrapõem a nossa vontade. Todos ali reunidos, juntos, mas não por vontade própria. Enquanto entoavam os cantos sobre o corpo encaixotado, diante de todos, as memórias eram comuns. As coisas boas eram superpostas, sobrepostas, impostas. O funeral progredia com lentidão, se arrastava como lagarta, com os mesmos sentimentos já sentidos tantas vezes por tantas pessoas tão diferentes. Havia medo nos pulsos presos por algemas.

Os ritos entoavam como que se o mundo tivesse se emoldurado num quadro imenso e incontido. Todos ali eram pequenos diante do teto do episcopal templo. Um grão de areia na praia que somente pode ser vista [a praia] como vastidão. Na templária manhã, cada um era diminuto.

O sentimento era exatamente inverso à postura de Listis, dias antes, diante de seu computador agindo nas redes sociais. Ali, cada um, como grão, é a própria vastidão da praia. O poder que sente o faz dono das coisas e da verdade sobre as coisas, e Listis faz todo o tipo de ataque possível. Resmungavam numa casamata, escura e pessoal, com suas ferramentas de guerra, respiração intensa numa fortificação apertada. As armas e as artilharias e os inimigos bastam ser pensados e se conjugam reais. Os enredos e os roteiros se adaptam à revolta e ao ódio. Ali, pelas redes sociais, dono do universo mais variado pode fazer e dizer e sentir como se fosse inalcançável, protegido por um fosso, em seu castelo medieval.

Ficou engrandecido, se sentiu superior, forte, heroico e capaz de derrubar o rei e o reinado. Ao entrar nos palácios, vencendo as muralhas e as ameias e as torres, enfurecido por ideias de domínio e poder, derrubou com violência o marcador de dias como se pudesse parar o tempo-rei. Janelas, cadeiras, vidros, mesas, quadros, tapetes... foram submetidos ao furor do ódio ardente. A tomada do castelo seria a derrocada da monarquia. Aquele dia se foi, apesar do marcador tempo-rei estar adormecido em fraturas.

Amanhecera, o tempo se fez em outro rodopio de combinações Terra-Sol. Protegido de si mesmo, Listis, ao abrir os olhos, varre um horizonte cosmológico, até se dar conta que se perdeu e que não há passo seguinte orientado. Diante de si, a escuridão sideral das consequências. Afoito e agônico, atmosfera em falsete, agora é obrigado a observar, por terceiros, juízes de preto, seus próprios atos. Sempre foi difícil olhar para si mesmo e perceber seus primitivos sentimentos rasgando seu próprio bem-estar. Para si estivera certo ontem e em eternidade desalojado da autocrítica. Neste novo dia se encontra num campo com desconhecidos que ontem formavam um corpo revoltoso.

Listis agora tem medo, demonstra medo, treme escondido. O medo se faz em lágrimas. Pela primeira vez, talvez, se dera conta de sua estupidez ao se imaginar juiz do mundo. O ato de força e vigor, derrotado, como camaleão, agora é terrorismo e desequilíbrio, ilegal e nefasto. Listis que acreditava ser herói napoleônico, sente-se agora vilão mofino. A dormência das madrugadas não se acalma em sono. Parece que está sempre desperto, ainda que feche os olhos de cansaço. Já não ri, nem sente grandeza, nem heroísmo.

Listis, na escuridão de si mesmo, impunhara a Política como faca aos outros e vertera a Democracia como sua vontade em pistola com munição. Esquecera, por estupidez, que Política e Democracia não têm dono. Política e Democracia existem e vivem num campo de força das relações entre pessoas. Listis, ao se olhar no espelho das grades, percebe, na carne e no espírito, a dor da escuridão de si mesmo. Listis vive seu próprio funeral que se arrasta como lagarta.


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