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Nuvens no horizonte neoliberal


Passei agradável fim de semana de novembro em companhia de Bo­aventura de Sousa Santos e outros amigos. Em sua fecunda reflexão, o cientista social português apontou as carregadas nuvens que pesam sobre a conjuntura mundial.

Há uma flagrante desconstrução da democracia. Desde o século XVI a Europa tem a sua história man­chada de sangue, devido à inci­dência de guerras. Nos últimos 50 anos, acreditou ter conquistado a paz consolidada pela democracia fundada em direitos econômicos e sociais. De fato, tais conquistas fun­cionavam como antídoto à ameaça representada pelo socialismo que abarcara a metade leste do conti­nente europeu. Com a queda do Muro de Berlim, o capitalismo ras­gou a fantasia e mostrou sua face diabólica (etimologicamente, desa­gregadora).

Os direitos sociais passaram a ser eliminados, e os países, antes admi­nistrados por políticos democrati­camente eleitos, são governados, agora, pela troika FMI, BCE (Banco Central Europeu) e agências de ris­co estadunidenses.

Hoje, o único espaço ainda não controlado é a rua. Mesmo assim, há crescente criminalização das manifestações populares. A TV exi­be, todos os dias, multidões incon­formadas reprimidas violentamente pela polícia.

Dos dois lados do Mediterrâneo o povo protesta. As mobilizações, contudo, têm efeito limitado. A indignação não resulta em propo­sição. O grito não se consubstan­cia em projeto. Wall Street (Rua do Muro) é ocupada, não derrubada, como o Muro de Berlim. Não são sinalizados “outros mundos possí­veis”.

O bem-estar que se procura as­segurar, hoje, é o do mercado fi­nanceiro. O Estado deixou de ser financiado somente pelos impostos pagos por empresas e cidadãos. Ou­trora os mais ricos pagavam mais impostos (nos países nórdicos, ain­da hoje chegam a 75% dos ganhos), de modo a redistribuir a renda atra­vés dos serviços oferecidos pelo Es­tado à população.

A partir do momento em que a elite começou a grita pelo Estado mínimo e por pagar cada vez me­nos impostos (como vimos propos­to na campanha presidencial dos EUA), os Estados viram crescer suas dívidas e se socorreram junto aos bancos que, fartos em liquidez, emprestavam a juros reduzidos. Assim, muitos países se tornaram reféns dos bancos.

Caso típico é a relação da Alema­nha com seus pares na União Euro­peia. Os bancos alemães empres­tavam dinheiro à Espanha – desde que ela adquirisse produtos ale­mães. Agora, a Alemanha é credora de metade da Europa.

Isso dissemina uma nova onda de antigermanismo no continente europeu. No século XX, duas vezes a Alemanha tentou dominar a Eu­ropa, o que resultou em duas gran­des guerras, nas quais foi derrota­da. Agora, no entanto, ela ameaça consegui-lo por meio da guerra eco­nômica. Mais uma vez a pedra no sapato é a França de Hollande que, contrariando todas as expectativas, escapou este ano da maré recessiva que assola a Europa.

Países da América Latina e da África resistem à crise através da exploração e exportação da natu­reza – minérios, produtos agrícolas, combustíveis fosseis etc. Porém, quem fixa o preço das commodi­ties são os EUA, a China e a Europa. Cada vez pagam menos dinheiro por maior volume de mercadorias. O mercado futuro já fixa preços para as colheitas de 2016! Tal espe­culação fez subir, nos últimos anos, o número de famintos crônicos, de 800 milhões para 1,2 bilhão!

Infla, assustadoramente, o pre­ço de mercado dos dois principais bens da natureza: terra e água. Empresas transnacionais investem pesado na compra de terra e fontes de água potável na América Latina, Ásia e África. Nossos países se des­nacionalizam pela desapropriação de nossos territórios. A grilagem é desenfreada. O curioso é que as ter­ras são adquiridas com os habitan­tes que nela se encontram... como se fizessem parte da paisagem.

A esperança reside, pois, nas ruas, na mobilização organizada de todos aqueles que, de olho nas nu­vens, são capazes de evitar a bor­rasca por transformar a esperança em projetos viáveis.

* O autor é escritor


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