Bene: Eu tenho a agradecer pela curiosidade. Claro que isso foi muito movimentado pela final de um Brasileiro. Mas essas pessoas que ouviram falar do Barra agora, recentemente, são pessoas que não conhecem profundamente o futebol de Santa Catarina. Já estamos há 12 anos trabalhando dentro do futebol. E quem é apaixonado, quem vive o futebol em tempo integral, especialmente o catarinense, já conhece o Barra. [Qual a fórmula do sucesso do clube?] Seria muita pretensão da minha parte dizer que temos a fórmula do sucesso. A gente tem boa intenção, tem cuidados e busca o planejamento e a organização como rota, como caminho, como sentido para o nosso projeto. Nosso projeto é de clube formador, de dar oportunidades aos jovens talentos. Para isso, é preciso ter uma plataforma de trabalho. Nossos recursos são bem planejados, nossas decisões são bem organizadas. Não tem uma fórmula. Tem cuidado. Tem momentos em que a gente não consegue avançar. O importante é não andar para trás. [O clube ficou um bom tempo na segunda divisão, talvez mais do que vocês esperavam?] Não digo que foi mais do que a gente esperava, mas foi duro, foi difícil. Batemos na trave. As pessoas achavam que o Barra tinha orçamento para subir. Em 2018, nosso orçamento era de R$ 45 mil para a folha da Série B. Dizer que o título era esperado? Não era. Não estamos aqui para criar expectativa errada nas pessoas.
Continua depois da publicidade
"Eu tenho restrições quanto ao VAR. Acho que ele tirou a emoção"
Qual foi o principal mérito do Barra para conquistar o título de um campeonato com 64 clubes?
Bene: É o pior campeonato que tem no Brasil e, provavelmente, no ano que vem será ainda pior, porque terá 96 clubes. Tu entras num campeonato com 64 equipes. Dessas, tu jogas em grupos regionais. Então, já enfrenta adversários difíceis da tua própria região, muitas vezes tradicionais. Nós entramos na competição focados no acesso porque, no estadual, tivemos aquele problema com um erro de arbitragem, que nos tirou a oportunidade de seguir na busca por uma vaga. Nem era certo que conseguiríamos, mas havia a chance. Como ficamos para trás e não tivemos essa possibilidade, começou a bater aquele temor: “Em 2026, vamos ter só o estadual no calendário?!”. Isso seria péssimo para o projeto. Trabalhamos o aspecto anímico dos atletas, a parte mental, e entendemos que era possível chegar entre os quatro. Difícil? Muito. Mas possível. Como já falei, não existe fórmula. Existe trabalho e planejamento.
"Eu tenho restrições quanto ao VAR. Acho que ele tirou a emoção do momento. O futebol é o momento, é aquela explosão de euforia. O gol é isso."
Em nossa região temos o Marcílio Dias, com mais de 100 anos, o Camboriú, também tradicional no estado, e o Barra, recém-fundado. Por que o Barra chegou mais longe até aqui?
Bene: Marcílio e Joinville são potências do futebol de Santa Catarina e da nossa região. São clubes que a gente respeita pela dificuldade que impõem. Tivemos bons resultados em casa, mas não vencemos e nem empatamos os jogos fora. Eu considero que o jogo contra o Marcílio, no Gigantão, tenha sido um dos piores que fizemos. Já contra o Joinville foi uma partida muito legal. A questão da tradição também pesa: o jogo contra o Joinville, na Arena, devia ter entre 7 e 8 mil pessoas no estádio. Isso, de certa forma, preparou o Barra para enfrentar 45 mil torcedores lá em Recife. [Como foi encarar o erro de arbitragem na última partida do Catarinense?] Quando aconteceu o erro da arbitragem, dentro de campo mesmo, quando já não podíamos fazer mais nada, tentamos convencer o árbitro a rever o lance, aquela coisa toda, reconsiderar, porque era algo absurdo de acontecer. Em nenhum momento, nem por parte da comissão técnica, nem dos atletas, nem da direção, houve uma justificativa dizendo que não nos classificamos por causa do erro de arbitragem.
Continua depois da publicidade
Continua depois da publicidade
"Acredito que, hoje, não tenha ninguém que esteja insatisfeito com as mudanças promovidas no futebol brasileiro."
Como o senhor analisa o uso da tecnologia no esporte pra tentar minimizar os erros de arbitragem?
Continua depois da publicidade
Bene: Temos um futebol de elite, onde tudo do bom e do melhor está disponível: toda a tecnologia, toda a ciência, todos os recursos são usados para garantir um bom espetáculo e controlar tudo. Mas há divisões no futebol. Quando tu traz o VAR, que hoje é a ferramenta eletrônica mais falada no futebol, para uma divisão menor, ele acaba sendo a única novidade. Eu tenho restrições quanto ao VAR. Acho que ele tirou a emoção do momento. O futebol é o momento, é aquela explosão de euforia. O gol é isso. A maioria dos atletas não está acostumada com o VAR. Se o árbitro diz que um jogador falou alguma coisa, é isso que vai pra súmula. Por que não colocar uma GoPro no peito do árbitro? Vamos filmar o que acontece em campo. Isso seria bom para o atleta, bom para o árbitro. E é barato. Bem mais barato do que todo o sistema do VAR. E nós estamos errando com o VAR. [Como o senhor vê a reformulação dos estaduais?] Acredito que, hoje, não tenha ninguém, seja da Série A, B, C ou D, até mesmo de uma possível Série E, se existisse, que esteja insatisfeito com as mudanças promovidas no futebol brasileiro. A coragem com que ele conduziu tudo agradou, eu diria, a todos. Não vi nenhuma manifestação de clube reclamando do novo calendário. Sobre o Barra, na véspera da decisão, vamos dizer assim, tivemos um motivo a mais. Claro que foi muito bom para nós. Estávamos indo jogar a final pensando apenas no título, porque o acesso à Série C já estava garantido. Mas, na semana da decisão, veio a nova regra: se for campeão, o clube garante vaga na Copa do Brasil. E mais, já entra direto na terceira fase, com premiação de quase R$ 2,5 milhões. Isso é muito significativo.
"Nunca pedimos um copo d’água para a prefeitura"
Na coletiva pós-título, o técnico Eduardo Souza citou críticas e provocações...
Bene: Eu confesso para vocês que não assisti à coletiva do Eduardo. [Ele usa a frase: “Gostando ou não, o Barra é campeão”] O futebol é um organismo próprio, tem vida, tem picuinhas, tem conversa, tem flauta, zombaria, provocação... O Barra sofre muitas provocações: “O Barra é de onde?” “É de Balneário Camboriú, é de Camboriú, é de Itajaí ou é de lugar nenhum?” “O Barra é clube de empresário.” “O Barra é só um CNPJ.” A gente ouve todos os tipos de provocação. Volta 12 anos no tempo e vê onde começamos e onde estamos agora, sem passar por cima de ninguém. Não temos nenhum processo trabalhista. Nunca pedimos um copo d’água para a prefeitura. Não dependemos do poder público. Não exploramos a comunidade. Trabalhamos como uma empresa, com responsabilidades de empresa.
"O Marcílio, sem dúvida, é um gigante. Está perdendo a oportunidade"
O senhor acredita que o modelo de SAF é o ideal para o futebol brasileiro?
Bene: Ah, não tenho nenhuma dúvida disso. O Barra não é uma SAF. Nós começamos como empresa antes mesmo de existir a possibilidade de virar SAF. O Barra nasceu como uma limitada, mas já era uma empresa. Temos investidores, prestamos contas, e o resultado de tudo isso passa pelo entretenimento, mas também pelos bons negócios que pretendemos fazer com nossos atletas. [O senhor acha que esse modelo é viável para o Marcílio?] O Marcílio, sem dúvida, é um gigante. Está perdendo a oportunidade. Provavelmente, ainda não apareceu alguém em quem eles confiem a ponto de entregar. Mas, na hora em que surgir alguém de confiança, tem que entregar. Em dois, três anos, o Marcílio pode dar um salto enorme. [Sobre a SAF, exemplo é o Botafogo: ganhou o Brasileiro, a Libertadores e os jogadores começaram a ser vendidos. Se desmonta o time porque, naquele momento, é a chance do clube ter um faturamento. Como o Barra encara esse tipo de situação?] O jogador do Botafogo só teve protagonismo porque havia uma SAF. Talvez, se não fosse uma SAF, esses jogadores nem estariam no clube. Isso faz parte do processo de negócio. Hoje o Botafogo vive uma crise, porque são negócios. A ideia não é que a crise aconteça, mas ela pode acontecer. Um negócio mal feito, algo mal planejado, pode causar problemas. A SAF não é infalível. Ela também comete erros. O Vasco é um exemplo emblemático disso. Alguns clubes estão indo para a SAF como uma tentativa de se salvar de dívidas e problemas financeiros. Só que o torcedor quer resultado em campo, quer título e a SAF não pensa só nisso. Precisa ter estrutura em todas as áreas bem definidas.
"A SAF não é infalível. Ela também comete erros"
Como o senhor vê as categorias de base no futebol brasileiro? E como esse trabalho dentro do Barra já tem retorno desse investimento feito?
Bene: No futebol brasileiro, as categorias de base são um viveiro quase inesgotável de talentos. Não dá para comparar gerações. O Brasil não para de produzir bons jogadores — cada um com o seu DNA de época. O Brasil é fornecedor de talentos para o mundo inteiro. Muitos atletas brasileiros nem chegam a jogar profissionalmente aqui, com 18 ou 19 anos, já estão indo para fora. Os grandes clubes, como Flamengo, Palmeiras, São Paulo, investem pesado na base. Mas o retorno hoje não é proporcional como era no passado. Antes, se investia menos e o retorno era maior. Hoje, se investe mais e o retorno é menor. [Por quê?] Porque a concorrência aumentou. O Barra entra nesse cenário. Estamos competindo com esses grandes clubes. Não estamos, com todo respeito, competindo com os clubes de Santa Catarina. Nosso objetivo não é ganhar o estadual sub-20, sub-17 ou sub-15. Nosso objetivo é formar jogadores. [Qual é o investimento para a Série C?] Hoje temos a consciência de que alguns clubes, o próprio Santa Cruz, por exemplo, relataram que vão investir de R$ 3,5 milhões para a Série C. Nós vamos continuar dentro do nosso processo de planejamento, organização e criatividade. Vamos ter que aumentar o orçamento. Nosso orçamento está entre os mais baixos da Série D e entre os mais baixos da Série A do Catarinense. Atualmente, gira em torno de R$ 400 mil. Deve haver um reajuste, mas continuará muito abaixo do que as pessoas imaginam.
"No futebol brasileiro, as categorias de base são um viveiro quase inesgotável de talentos."
Como o senhor analisa o assédio a jogadores jovens como o Bernabé, artilheiro da Série D, e o Simon, que foi decisivo em vários jogos?
Bene: O nosso clube é de formação, de entretenimento e de negócios. Se surgir uma boa oportunidade para o Simon, vamos fazer o negócio. O Simon vai voar na altura que as asas dele permitirem. Não vamos impedir, desde que dentro de uma realidade. O Bernabé é um caso interessante. É um atleta que teve protagonismo no Figueirense, foi para o Guarani para continuar com esse protagonismo e não conseguiu. Não performou. A gente monitora atletas como o Bernabé o ano inteiro. O clube nasceu de uma empresa de observação e captação de talentos. O Bernabé tem contrato com o Barra até abril, até o fim do estadual. A gente quer que ele fique para a Série C.
"Nosso objetivo não é ganhar o estadual sub-20, sub-17 ou sub-15. Nosso objetivo é formar jogadores."
O Barra comemorou a marca de mil sócios. Como está sendo o processo de formação de torcida?
Bene: Isso é planejamento e organização. Criamos o Barra numa cidade que não tinha nenhum clube, e que é cosmopolita. Todo mundo vem de fora pra Balneário Camboriú, todo mundo quer pertencer a Balneário. Não tenho nenhuma dúvida de que alguns desses caras vão virar sócios do Barra. Vão começar a frequentar o estádio. Hoje temos quase 1500 sócios. Quando falo sobre o aumento de sócios, muita gente confunde. Eu digo que o Barra pode se tornar, nos próximos 10 anos, a maior torcida presente de um clube de futebol. E quando digo “presente”, estou falando daqueles que vivem o clube, torcem e acompanham.