EMOCIONANTE
Estátua de Ice é inaugurada e cinzas do herói são lançadas ao mar em Itajaí
Labrador fez história como primeiro cão guarda-vidas do Brasil
Franciele Marcon [fran@diarinho.com.br]











Nem a chuva que insistiu em cair sobre Itajaí na tarde de sexta-feira conseguiu apagar a emoção na Praça do Mima, entre a Praia do Atalaia e o Bico do Papagaio. Entre aplausos, lágrimas e lembranças, foi inaugurado o monumento em homenagem a Ice, o primeiro cão guarda-vidas do Brasil — um labrador retriever que dedicou a vida a salvar outras. Diante do mar que o viu treinar e trabalhar, a cidade se despediu de seu herói de quatro patas com gratidão e orgulho.
A escultura, assinada pelo artista Walmir Binhotti, celebra a trajetória de Ice, que marcou a história do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina (CBMSC) e do país, tornando-se símbolo de coragem. A escolha de Itajaí não foi por acaso: além de ser a cidade natal do 3º sargento Evandro Amorim, foi justamente na Praia do Mima, que o labrador aprendeu a enfrentar o mar, foi treinado e trabalhou lado a lado com o condutor ao longo de 14 anos.
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Durante a cerimônia, o sargento Evandro Amorim subiu nas pedras da beira-mar, sob a chuva fina. Abriu a pequena urna azul e lançou as cinzas de Ice ao mar, no mesmo ponto onde o cão aprendeu a desafiar as ondas. Entre lágrimas, o gesto silenciou a praça e fez grande parte dos presentes chorar junto. Era nítida a emoção do sargento, que se despedia não só do parceiro de trabalho, mas do amigo inseparável. “Muito emocionante, muito significativo, uma oportunidade maravilhosa de homenagear meu grande amigo, meu parceiro de trabalho, meu grande irmão”, disse, com a voz embargada.
Amorim destacou que Ice representava mais do que um animal de serviço. “O Ice representa muito, não só para mim, mas para todas as pessoas que trabalham com cães de busca, resgate e salvamento em todo o Brasil. Para nossa família, principalmente. É um membro da família sendo homenageado pela cidade que nós amamos.”
Ice morreu em setembro de 2024, aos 14 anos, de causas naturais. Desde a aposentadoria, em 2019, vivia como companheiro de lar do sargento — não mais em serviço, mas sempre presente como amigo e até terapeuta.
Enquanto a chuva persistia, binômios — duplas de bombeiros e cães — se posicionaram lado a lado. Vindos do Rio de Janeiro, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina, eles estavam em Itajaí participando da Certificação Nacional de Cães de Busca e Resgate – Modalidade Urbana, encerrada justamente no mesmo dia.
O cão que quebrou barreiras
Nascido em 2009, Ice foi selecionado ainda filhote para o CBMSC. Com o sargento Amorim, tornou-se referência em operações de busca, salvamento e prevenção de afogamentos. Reconhecido pelo RankBrasil como o primeiro cão guarda-vidas do país, atuou na Praia de Cabeçudas entre 2017 e 2019. Participou de mais de 100 resgates, obteve certificações internacionais e foi o primeiro cão a atuar na tragédia de Mariana (MG), em 2015.
Ice também quebrou barreiras fora das operações. Foi o primeiro cão a entrar no Hospital Marieta Konder Bornhausen, em Itajaí, em atividades de Terapia Assistida por Animais (TAA). Visitou escolas e instituições sociais. “O Ice veio para desmoronar barreiras. Atuou em ocorrências de alta complexidade, foi o primeiro salva-vidas, o primeiro em Mariana, o primeiro em terapias assistidas”, lembrou Amorim.
A parceria entre eles ultrapassou o vínculo profissional. “É difícil explicar o laço de um binômio. São dias juntos, tragédias, alegrias, dormindo lado a lado, repartindo alimentação, enfrentando buscas longas. Eu achava que ensinava ele, mas aprendi muito mais do que pude ensinar”, disse, emocionado.
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Futuro espaço pet-friendly
Além da estátua, a Praça do Mima vai se transformar no primeiro espaço pet-friendly de Santa Catarina, por meio de projeto de lei do vereador Victor Nascimento (PL). A ideia cria um parcão em homenagem a Ice. O espaço será financiado pela iniciativa privada, com apoio da DalPet.
O vereador conta que a ideia surgiu a partir de uma proposta do sargento Evandro Amorim e do soldado Thiago Amorim, do 7º Batalhão de Bombeiros de Itajaí. “Eternizar essa história é valorizar o trabalho dos bombeiros e da nossa cidade”, afirmou Victor.
A visão do artista
O escultor Walmir Binhotti contou que reuniu fotos, vídeos e entrevistas para retratar Ice com fidelidade. “Fui juntando um pedacinho de cada registro, porque uma escultura precisa de uma visão de 360 graus.”, contou. “Brinquei com minha família que, se eu conseguisse fazer o sargento chorar, era sinal de que estava dando certo. E foi o que aconteceu.”
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O artista buscou captar não apenas o porte atlético de Ice, mas também a serenidade do olhar que marcou sua trajetória. “Imortalizar um cão como o Ice, que salvou vidas e inspirou tanta gente, é uma honra. Ele é um ícone, e deixá-lo eternizado aqui em Itajaí é algo muito especial”, resumiu Binhotti.
O sargento Evandro Amorim preferiu não discursar durante a cerimônia. Brincou que as lágrimas o impediriam de falar. Em entrevista, emocionado, ele descreveu a dimensão do momento:
“Esse dia é muito significativo para toda a família. O Ice não era só um cão de trabalho, era parte da nossa vida. E que todos compreendam que um cão para um bombeiro não é uma ferramenta, é algo muito maior. Nós amamos muito nossos cães e somos felizes por repartir nossa vida com eles.”
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No mar de Itajaí, repousam agora as cinzas de um herói que ensinou gerações. Na Praça do Mima, a estátua eterniza Ice no mesmo cenário que marcou sua trajetória e o consagrou como o primeiro cão guarda-vidas do Brasil.
Franciele Marcon
Fran Marcon; formada em Jornalismo pela Univali com MBA em Gestão Editorial. Escreve sobre assuntos de Geral, Polícia, Política e é responsável pelas entrevistas do "Diz aí!"