POLÊMICA
Partido quer acabar com leitura da Bíblia na Câmara de Itajaí
Ação no TJSC argumenta que prática é ilegal e afronta liberdade religiosa
João Batista [editores@diarinho.com.br]
O diretório estadual do PSOL entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para suspender a leitura obrigatória da Bíblia na abertura das sessões da Câmara de Vereadores de Itajaí. O pedido enviado ao órgão especial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) argumenta que a prática é ilegal por violar o princípio de laicidade do Estado e a liberdade religiosa, previstos nas constituições estadual e federal.
A leitura bíblica está prevista em resolução do regimento interno do Legislativo e serve para a abertura das sessões. Pelo regimento, a sessão deve começar com o presidente dizendo a expressão “Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos”. Em seguida, a regra prevê convidar um vereador pra ler um versículo bíblico.
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Para o PSOL, outra resolução da câmara de Itajaí ainda violaria o pluralismo de ideias e a liberdade de aprender, em afronta à Constituição Estadual. Isso porque a leitura obrigatória da Bíblia também é prevista no projeto Câmara Mirim, pelo qual estudantes adolescentes tocam as sessões com propostas elaboradas por eles.
A ação é assinada pelos advogados Rodrigo Sartoti e Alex Stein. Em Santa Catarina, já há jurisprudência sobre o tema. Em julgamento de 2022, sobre lei semelhante em Palhoça, o TJSC entendeu que “a imposição de obra que doutrina a fé cristã em sessão de um dos poderes do Estado (legislativo) viola a neutralidade exigida do Estado em relação às religiões”.
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Alex, que é presidente do PSOL em Itajaí, foi quem propôs a ação, mas explica que como o diretório municipal não pode protocolar uma ADI, foi solicitada a abertura pelo diretório estadual. Com isso, o advogado do diretório do partido em Santa Catarina, Rodrigo Sartoti, encabeçou a assinatura da ação.
Inicialmente, eram previstas duas ações, uma contra a leitura obrigatória da Bíblia pelos vereadores e outra contra a resolução que obriga os vereadores-mirins a fazerem o mesmo. Ao final, as duas ações foram reunidas num mesmo pedido. “Esta resolução fere diretamente a Constituição do nosso país. O pior de tudo é obrigar as crianças (vereadores-mirins) a lerem a bíblia antes das sessões da Câmara Mirim. Um processo de doutrinação descarada”, critica Alex.
O presidente municipal do PSOL lembra que soube da obrigatoriedade em Itajaí quando começou a estudar Direito, em 2016. “E prometi a mim mesmo que, assim que me formasse e retirasse a carteira da ordem [OAB], iria lutar na justiça pela retirada desta resolução inconstitucional”, comenta. O advogado adianta que também está sendo estudada a possibilidade de uma ação que contemple outras cidades do estado que tenham a mesma regra.
Na região, as câmaras de BC, Camboriú e Navegantes também obrigam a leitura bíblica. “Essas resoluções ferem inúmeros princípios constitucionais”, destaca o advogado.
Neutralidade do estado
A resolução 564, de 2015, é a que prevê a leitura bíblica na câmara de Itajaí. Em 2023, foi criado o regimento da Câmara Mirim com a mesma determinação. A ação do PSOL aponta que as obrigações ferem o princípio constitucional do estado laico, pelo qual o país deve manter neutralidade diante das religiões. “De acordo com a nossa atual ordem constitucional, nenhum ente da federação está autorizado a ter uma religião oficial, incluindo-se a proibição de incorporar preceitos e concepções de quaisquer livros religiosos, dentre os quais, a Bíblia Sagrada, livro-base da doutrina do cristianismo”, comenta o presidente municipal do PSOL.
Ele ressalta que a ação não é um ato contra a religião cristã e nem contra os cristãos, mas busca defender o princípio de laicidade. “A mesma ação seria protocolada caso a resolução mandasse ler um outro livro religioso antes de uma sessão da câmara, fosse esse livro muçulmano, judaico, hindu ou de matriz africana”, explica.
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Conforme Alex, considerando que todas as religiões são aceitas no Brasil, o fato de a maioria dos brasileiros ser cristã não significa que um grupo pode “sufocar” os outros e impor suas vontades. “Isso é o que o Talibã faz no Afeganistão. O nosso país é uma mistura cultural e todas as pessoas devem ser respeitadas”, opina.
Além da Constituição Federal, o advogado informa que as resoluções em Itajaí violam a constituição do estado, que incorporou os direitos individuais e coletivos previstos pela federação. Santa Catarina ainda conta com o Estatuto de Liberdade Religiosa, de 2022, que reforça os princípios de liberdade de crença e traz diretrizes de combate à intolerância religiosa.
Para ele, as crianças também estão sendo “doutrinadas” com a obrigação da leitura bíblica no projeto Câmara Mirim, ligado à Escola do Legislativo. “Estão doutrinando as crianças de que uma religião é ‘preferencial’ dentro da máquina estatal, e pior, dentro do local onde são construídas as leis de uma sociedade. Catequização a fórceps pura e cristalina”, completou.