JOSÉ BOITEUX
Post de militares do tático fez ameaças a indígenas da barragem
Comunidade denuncia que ficou em luz e sem internet desde o momento que a cavalaria anunciou entrar no território
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]
Policiais do grupo tático da Polícia Militar de Santa Catarina fizeram postagem com ameaça aos indígenas de José Boiteux durante mobilização na noite de sábado para a operação de reabertura da Barragem Norte. “Missão Barragem – o retorno, bora que o pau vai pegar”, dizia um stories na página Tático Santa Catarina no Instagram. O perfil se diz “sem vínculo institucional”, mas tem postagens feitas por policiais que atuam em operações da Polícia Militar e do Pelotão de Patrulhamento Tático.
A mensagem com ameaça de confronto já não está mais no ar, mas foi denunciada pelas redes sociais. Na postagem aparecia uma foto feita dento da viatura, focando quatro policiais.
A mobilização de policiais para José Boiteux começou na tarde de sábado, com tropa de choque, helicóptero e cavalaria, para a operação de reabertura das comportas. O governo estadual esperaria o nível do rio Itajaí-açu ficar baixo dos 7 metros em Blumenau pra abrir a barragem, que verteu água na sexta-feira.
As tropas foram enviadas mesmo diante de aviso das lideranças indígenas que não interfeririam no trabalho da Defesa Civil pra operar a barragem. O represamento das águas deixou a maioria das aldeias isoladas, alagou estradas e deixou as comunidades sem água potável.
No sábado, os indígenas denunciaram que também estavam incomunicáveis, sem energia, internet e sinal de celular, o que comprometia mostrar a movimentação policial na área.
Os indígenas amanheceram domingo com as tropas da polícia dentro do território. Segundo postagem de comunicadores da Juventude Xokleng, havia mais de 10 viaturas da Polícia Militar, que não tem competência pra atuar em território indígena, e três viaturas da Polícia Federal, única que tem jurisdição sobre a área.
Domingo, a energia elétrica já tinha sido restabelecida em alguns pontos da Terra Indígena. “Reiteramos o pronunciamento de nosso Cacique Presidente, já postado aqui inúmeras vezes, de que o Povo Xokleng não irá interferir no trabalho da Defesa Civil na barragem, seja para reabertura ou fechamento das comportas”, destacou a postagem.
A página ainda denunciou que a presença policial seria pra intimidar a comunidade, mesmo sem qualquer resistência. “O governo Jorginho Mello descumpre acordos e envia PM em peso, incluindo helicóptero, para nos intimidar, especialmente neste momento que estamos com nossa comunicação limitada devido ao curioso fato da energia elétrica e cobertura telefônica terem parado de funcionar, coincidentemente ontem [sábado], no momento em que a cavalaria se preparava para entrar aqui em nossa TI”, informaram.
O monitoramento da Agência Nacional de Águas (ANA mostrava que, às 10h de domingo, uma comporta estava aberta e outra fechada na barragem de José Boiteux, com o reservatório em 96,7% da capacidade.
Operação de abertura das comportas
O governo do estado confirmou o envio de tropas para José Boiteux. Vídeos nas redes sociais mostraram a movimentação de viaturas e de um caminhão com o equipamento hidráulico necessário pra manobra de operação da barragem, seja pra abrir ou fechar as comportas. O sistema da própria barragem é inoperante porque a casa de máquinas está danificada.
O cenário pra reabertura das comportas leva em conta a trégua das chuvas e o declínio do nível do rio Itajaí-açu. Na manhã de domingo, às 9h, o nível era de 6,81 metros em Blumenau, o que já permitiria a liberação das comportas em José Boiteux. Se o nível estivesse acima dos 7 metros, que era a situação ainda no sábado, a abertura não seria feita no momento.
A barragem de José Boiteux verteu pela primeira vez na história na noite de sexta-feira. No sábado, por volta das 16h, a Defesa Civil informou que o transbordamento já tinha parado e a barragem estava com 96,9% da capacidade ocupada. A partir do monitoramento, foi iniciada a discussão pra abertura das comportas. Em Taió, a Defesa Civil abriu uma das sete comportas na noite de sábado, mas a barragem ainda segue vertendo.
A Defesa Civil ainda não respondeu sobre a abertura das comportas em José Boiteux e porque a PM foi enviada para o local. O monitoramento online mostra que uma comporta foi aberta. A assessoria da Polícia Militar disse que iria levar o caso da postagem para apuração. “Não é uma postagem oficial da PMSC. Não sabemos a origem. Apesar de usar imagens de policiais, não há comprovação da postagem por parte dos mesmos”, informou.
Em reunião no sábado, o governador Jorginho Mello (PL) fez um balanço das ações com a Defesa Civil e órgãos técnicos do estado, sendo discutida a intenção de abrir as comportas de José Boiteux. O relatório até às 18h mostrava 144 cidades com ocorrências ligadas às chuvas, 121 municípios com decreto de situação de emergência e três mortes relacionadas às inundações.
“Primeiro de tudo é importante alertar as pessoas que, infelizmente, este evento climático ainda não terminou. A população precisa continuar atenta e a gente vai seguir mobilizado, trabalhando com todas as nossas equipes a campo atendendo quem precisa e ajudando os municípios no trabalho de reconstrução”, comentou Jorginho, afirmando que todas as ações foram feitas com respaldo técnico.
Sobre a situação em José Boiteux, o governador postou que atuou em todas as frentes pra minimizar os efeitos das cheias e nas ações em relação à barragem. “Negociamos e cumprimos os acordos com as lideranças indígenas e continuaremos atuando para dar segurança a toda comunidade. Por mais que o descaso em relação às barragens seja histórico, elas cumpriram o seu papel”, disse.
Despacho da Justiça Federal na sexta-feira informou que, conforme as informações apresentadas pelo governo no processo, “a princípio e na medida do possível, o Estado está adotando as providências necessárias e condizentes com a situação”. Jorginho reafirmou o compromisso de construir um plano de manutenção e melhorias em todas as barragens, especialmente a de José Boiteux, que estava desativada há mais de 10 anos.