BASTA!
A cada 10 mulheres assassinadas, 7 foram dentro de casa
Agosto Lilás foca na prevenção e combate à violência contra a mulher
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]
Por Renata Rosa
Especial para o DIARINHO
Aquele ditado “em briga de marido e mulher não se mete a colher” não caiu em desgraça só por conta de seu anacronismo, mas porque contribuiu para que o número de mulheres mortas explodisse no Brasil. O último Anuário de Segurança Pública mostra o crescimento expressivo de casos de assédio sexual, agressões, ameaça de morte, stalking e feminicídios, além do maior número de estupros da história, sendo as vítimas 61,4% formadas por crianças e 88% do sexo feminino. Em relação aos feminicídios, sete em cada 10 mulheres foram assassinadas dentro de casa. Em 73,1% dos casos, pelo parceiro ou pelo ex.
Para chamar a atenção sobre esta realidade cruel e a fim de combater e prevenir a violência doméstica, foi criado em 2018 o Agosto Lilás. A campanha promove uma série de eventos para encorajar não só as vítimas a denunciar, mas também pessoas do seu entorno que forem testemunhas de agressão.
Segundo a lei, configura crime a violência psicológica, diminuição da autoestima, controle de suas ações mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição, insulto, chantagem, violação da intimidade, limitação do direito de ir e vir, estupro, impedimento de usar método contraceptivo e retenção de bens.
Maria da Penha é uma bioquímica cearense que em 1983 sofreu duas tentativas de homicídio do seu esposo, que a deixaram paraplégica. Por causa da falta de amparo jurídico na época, ela recorreu à Corte da OEA, que concluiu que houve negligência do Estado brasileiro em punir o agressor. A partir daí foram feitas várias audiências públicas para criar uma legislação para combater a violência de gênero. Sua história é contada no livro “Sobrevivi… posso contar”.
Em 2015 houve um importante avanço no combate à violência de gênero, aumentando a pena para os assassinos e tipificando o crime como feminicídio. A lei nº 13.104/2015 torna feminicídio um homicídio qualificado e o coloca na lista de crimes hediondos, com pena de 12 a 30 anos. Já o crime de stalking foi qualificado em 2021 para proteger mulheres que sofrem com perseguição física e através das redes sociais.
Rede de proteção
Nem sempre quem sofre agressão do companheiro se dá conta de que é vítima de violência doméstica. Quando não deixa marcas visíveis, muitas mulheres acabam aceitando viver em sofrimento por causa de dogmas religiosos e tabus sociais. Atingir este público é um dos maiores desafios do Agosto Lilás.
“É um crime invisível, que acontece dentro de casa. Queremos mostrar que há uma rede que vai apoiá-la, ela não está só”, argumenta a superintendente em saúde da mulher da secretaria municipal de Itajaí, Ana Tereza Canziani Pereira Boschi. Segundo a pasta, no último ano foram notificados 165 casos de violência doméstica na cidade. O perfil das vítimas são mulheres casadas ou em união estável de 18 a 49 anos.
Após o registro da ocorrência, em caso de risco de morte, a vítima é encaminhada com os filhos para a Casa das Anas, cujo endereço é sigiloso. Lá elas têm atendimento psicológico, assistência social e fazem cursos profissionalizantes. À Justiça cabe impor as medidas protetivas, que impedem o agressor de se aproximar. Caso infrinja as medidas, é colocada a tornozeleira eletrônica. Em caso de lesão corporal, é aberto inquérito e, após o exame de corpo de delito, pode ser preso em flagrante.
Santa Catarina tem 304 casos de feminicídio em tramitação
Vivian Mattos, da Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso de Itajaí, conta que as denúncias de violência doméstica dobraram este ano e isso se deve, principalmente, às campanhas e casos de grande repercussão. Ela disse que a maioria das vítimas são mulheres dependentes dos agressores, por isso se calam. “E uma mensagem libertária não cabe em todos os casos. Criar coragem leva tempo e as campanhas servem para acelerar esse processo”, diz.
Segundo dados do Tribunal de Justiça, havia até junho 304 casos de feminicídio em tramitação em SC. Itajaí e Navegantes têm 13 cada. Balneário Camboriú e Penha tem três casos e Camboriú, cinco. Na grande maioria dos casos de feminicídio em Itajaí, a vítima não registra ocorrência. “As medidas protetivas têm conseguido conter os agressores porque eles acabam tendo limitações por conta do processo. Quem sofre mais é quem não tem coragem de denunciar”, narra.
Para evitar a reincidência, a lei Maria da Penha também prevê a criação de grupos de reflexão. Em Itajaí, o Juizado de Combate à Violência Doméstica criou o projeto Refletir, por onde já passaram 341 agressores.
Falta pessoal para garantir atendimento 24h
Já o atendimento 24h da Delegacia de Combate à Violência Doméstica ainda não foi implementado por falta de pessoal. A obrigatoriedade do funcionamento ininterrupto desse tipo de delegacia passou a valer em abril, com a lei 14.541/23. Por enquanto, fora do horário comercial, estes casos são registrados na Central de Plantão Policial.
“A lei para combater a violência doméstica é boa conceitualmente, mas faltam investimentos”, revela a advogada Adriana Bogo, voluntária do grupo CVIDOM da OAB, grupo que tem como missão dar palestras e fiscalizar. Mesmo assim, ela acredita que houve avanços. “Itajaí é um dos poucos municípios do estado com juizado especial e já tem jurisprudência para punir casos de stalking”. Ela afirma ainda que casos de violência doméstica atingem todas as classes. “Nas camadas mais altas a violência é ainda mais velada, por causa da questão patrimonial”.