Cinturão verde ameaçado
Inundações colocam em risco produção de hortaliças em Itajaí
Inundação causada por enxurrada e falta de abertura da barragem em 2022 destruíram plantações de 18 sítios
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]

Por Renata Rosa
O trabalho dos pequenos produtores rurais é essencial para a vida na cidade, pois é de lá que vem os alimentos frescos, além de delícias artesanais elaboradas com produtos direto da horta. Mas viver da roça tem se tornado cada vez mais difícil por razões que vão das mudanças climáticas, que alteram o regime de chuvas, a problemas na barragem do São Roque, e também à falta de sucessão familiar, já que os jovens preferem estudar e trabalhar na cidade.
O aquecimento gradual da temperatura da Terra tem gerado um desequilíbrio no planeta, provocando chuvas em excesso no sul e nevascas recordes no hemisfério norte. Se para os moradores da cidade isso já é um transtorno, imagine para quem depende da natureza para ganhar o pão de cada dia. “Tem hora que a gente está no verão e do nada vira inverno. Existem plantas, tipo a couve-flor, que tem uma variedade de verão e outra de inverno. Então você começa a plantar a de verão e aí a temperatura baixa, aí essa couve-flor não desenvolve”, explica Fabio Felicio, de 37 anos, presidente da Cooperativa de Produtores Rurais de Itajaí (Cooperar).
O agricultor produz hortaliças num terreno arrendado no São Roque, além de produzir produtos de panificação em parceria com a esposa Anelise. Em maio do ano passado, na época de colheita, caiu uma tempestade que destruiu as plantações de 18 produtores na Colônia Japonesa. A inundação foi agravada por problemas técnicos na barragem de contenção da estação do Semasa, que não abriu, e elevou o nível da água nos campos em até um metro.
“Na época, mandei um áudio para o Volnei e no dia seguinte teve reunião. Ele disse que faria uma comissão, mas até agora não foi paga a indenização, de cerca de R$ 1,5 milhão. Dizem que o que está pegando é a documentação”, lamenta. Para se ter uma ideia da demora do processo, a primeira audiência só aconteceu em 7 de dezembro. E de lá pra cá, mais chuvas torrenciais aconteceram. “Estamos batalhando por mais audiências para repor as perdas. Não sei se é falta de vontade ou a demora é normal, mas tenho fé que vão pagar a gente”, acredita.
O agricultor conta que o forte de Itajaí na agricultura familiar é a olericultura, ou seja, a produção de verduras e ervas, além do aipim, um dos carro-chefes, e melancia produzida na “toca da onça”. E estes produtos são duramente afetados por eventos extremos, cada vez mais frequentes. Nem um sistema de plantio abrigado daria conta de impedir os estragos. “Quando eu comecei na roça com meu pai, a gente tinha dois abrigos para pepino em conserva. Produzia bem, porém aqui tem muito vento, então é complicado, arranca tudo”, explica.
Fabio diz que o problema não é chuva, mas o acúmulo de água. “Mesmo que fosse uma estufa climatizada de primeiro mundo, a gente ia perder tudo. Se com chuva intensa já acumula água, imagina se a barragem tranca”.
Processo de indenização não tem prazo para finalizar
Segundo o representante do departamento jurídico do Semasa, Rafael Pinto, é impossível precisar uma data para a conclusão e pagamento da indenização. Ele argumenta que, apesar da falha nas comportas durante a cheia do rio Itajaí Mirim, foram tomadas as medidas técnicas para solucionar o problema três horas após o diagnóstico. E que o rio só permaneceu mais alguns dias com o nível alto por causa do elevado volume de chuvas. “A indenização só ocorrerá se for comprovada a responsabilidade do Semasa. No momento, o processo está no prazo de manifestação das empresas que operam os equipamentos”.
Cooperativa cresceu quando passou a atender o Programa Nacional de Alimentação Escolar

Quando não está na roça, Fabio Felício está na feira vendendo produtos artesanais
O agricultor Fabio Felício está à frente da Cooperar há quatro anos e conta que desde então tem batalhado para melhorar as condições de trabalho e renda dos pequenos produtores, investindo em maquinário e diversificando os produtos para serem mais competitivos. Quando ele assumiu, a entidade tinha 44 sócios, e hoje são mais de 100, inclusive de outros municípios.
“Nossa diretoria entrou com outra visão, de aumentar o leque de produtos e participar das chamadas públicas de merenda escolar, que é um nicho de mercado muito bom. Itajaí é forte em hortaliças, mas não produz banana, tilápia, daí buscamos produtores de outros municípios que também sejam da agricultura familiar, como exige o PNAE”, revela.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar do governo federal prevê que 30% do recurso enviado aos municípios para merenda deve ser destinado à compra de produtos da agricultura familiar. Segundo Fabio, alguns municípios chegam a usar 100%, como Joinville. “Cada agricultor tinha o seu cliente, mas aí veio a lei do PNAE direcionada para cooperativas. Nesse sistema, o produtor consegue vender com preço melhor do que para atravessadores”, garante.
E para entrar nessa concorrência, a Cooperar adquiriu câmera fria para frutas e legumes, criou um local para processar o aipim, e comprou um caminhão de entrega com recursos que sobram do fornecimento da merenda. “É muito difícil para um produtor sozinho arcar com os custos e ter lucro. Em relação ao aipim descascado, cada um gastaria R$ 70 mil. Na cooperativa, este custo é dividido entre 10 agricultores”, exemplifica.
Verduras apresentam diferença de preço entre os sacolões de Itajaí

Uma das verduras que estão com preço em conta nesta época é o repolho
Ninguém duvida que incluir vegetais na alimentação turbina a saúde, mas a tarefa pode se tornar ingrata quando o orçamento é apertado e o preço alto, reflexo das chuvas torrenciais que destruíram muitas plantações. Por isso o DIARINHO deu um rolê nos sacolões pra conferir a repercussão da chuvarada nos preços dos verdes, e onde é possível comprar mais por menos. Dos 30 itens pesquisados, a maior variação rolou no preço do agrião hidropônico, que custa R$ 1,90 no Hortifruti do Colono e R$ 4,49 no Direto do Campo, diferença de 126,76%.
O destaque da pesquisa vai para o sacolão Provesi, do São Vicente, onde 18 itens estavam mais baratos, seguido do Cunha (6), na Vila, Hortifruti do Colono (5), do bairro São João, e Direto do Campo (2), filial do centro. A coleta de preços foi realizada entre os dias 18 e 20 de janeiro.
Outro item que ficou acima dos 100% na pesquisa foi o alho-poró, que estava com melhor preço no Provesi (R$ 1,99) e mais alto no Hortifruti do Colono (R$ 3,99), variação de 100,50%. Em terceiro lugar aparece o salsão, usado para fazer caldo de legumes. A verdura podia ser encontrada no Provesi por R$ 3,99, enquanto no Cunha o preço era R$ 7,50 (87,96%).
O popular repolho, que é barato e rende pacas, variou 85,18%, com preços que vão de R$ 1,89 (Direto do Campo) a R$ 3,50 (Cunha). E a queridinha da salada de todos os dias, a alface (lisa ou crespa) apresentou diferença de preço de 73,82%, com preço mais em conta no Cunha (R$ 1,49) e mais caro no Direto do Campo (R$ 2,59).

Atividade ancestral resiste graças ao trabalho incansável dos roceiros

É a agricultura familiar que garante a merenda das escolas públicas
Fabio conta que cresceu na roça, mas em 2001 saiu para fazer faculdade de logística. Durante anos trabalhou para construtoras e se especializou na área de compras, até que um drama familiar o fez voltar para o campo. “Em 2007, meu tio faleceu e tinha uma roça sem ninguém pra cuidar, então eu e meu pai assumimos para ajudar minha tia e estou lá até hoje”, revela.
Na roça do produtor tem cebola, rúcula, alface, agrião, abóbora e aipim. Ele conta que o verão é uma época ingrata para plantar hortaliças, apesar da grande demanda dos consumidores, ávidos por uma alimentação mais leve. “O alface, a gente planta, mas não dá bom. Fica miúdo. No inverno, cresce melhor. Nem por isso deixamos de atender sacolões, restaurantes, cada um planta de tudo um pouco para vender na época de recesso escolar”, conta.
E como na maioria das famílias, na casa de Fabio também existe a preocupação com a sucessão dos negócios. Ele tem um filho de 14 anos, que já o ajuda na lida com o trator para preparar a terra, mas não há garantia que vá permanecer no campo. “Eu gostaria que meu filho continuasse na roça, mas não sei se é a vontade dele. Vai que ele tem dom pra advogado, médico, eu tenho que respeitar. Antigamente era mais fácil, hoje a prioridade são os estudos”.
Outra questão é que os agricultores mais velhos estão vendendo as propriedades para terem uma vida mais tranquila, sem precisar trabalhar sob sol e chuva. “Eu caí de paraqueda na atividade, por isso não tenho terreno próprio. Meu pai tinha nos Machados, mas vendeu quando fomos estudar. Eu permaneço porque amo o que eu faço, já minha irmã não se adaptou”, relata.
Mas apesar de todos esses problemas, Fabio não cogita voltar à antiga profissão. “Trabalhar no sítio é muito gostoso, a gente não tem patrão, é livre, não existe dinheiro no mundo que pague isso. Tem gente que tem vício nisso e naquilo, o meu vício é trabalhar na roça”.