SAÚDE

Como prevenir uma nova geração fumante e proteger crianças e adolescentes dos vapes

Especialistas e jovens ativistas apontam caminhos para acabar com epidemia de vapes e cigarros no mundo

Nathan Salt/Pexels
Nathan Salt/Pexels

Por Laura Scofield | Edição: Ed Wanderley

Não é brigando com seu filho, irmão, sobrinho ou amigo, mas por meio de políticas públicas baseadas em evidências científicas que a epidemia de cigarros eletrônicos será controlada. Políticas essas que só serão implementadas globalmente se houver ação das autoridades e pressão pública. Isso é o que defendem especialistas e jovens ativistas ouvidos pela Agência Pública durante a Conferência Mundial sobre Controle do Tabaco, em Dublin, na Irlanda.

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“Temos que ser lideranças, mas as pessoas no poder também deveriam assumir seu papel. Eles foram eleitos, nós votamos neles, e eles deveriam falar por nós, não pela indústria do tabaco”, avaliou Manik Marganamahendra, integrante do Conselho da Juventude da Indonésia para Mudanças Táticas que participou de um mapeamento de políticos que apoiam ou se opõem ao controle do tabaco no país.

“[Há uma tentativa de] culpabilizar ou responsabilizar o indivíduo como sendo quem vai botar em prática as políticas, quando, na verdade, para o indivíduo botar em prática as políticas ele tem que ter todo um arcabouço social que favorece isso”, explicou a secretária executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle Do Tabaco (Conicq), Vera Luiza da Costa. O órgão é responsável por elaborar políticas públicas sobre o tema no Brasil.

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O mais recente relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a epidemia de tabaco, lançado no evento, alertou sobre os perigos dos dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), que podem afetar o desenvolvimento do cérebro de crianças e adolescentes, além de “renormalizar o comportamento de fumar”. Para a médica e jovem liderança nigeriana Odunola Olabintan, “a indústria do tabaco está criando uma nova geração de viciados”.

No Brasil, dados do terceiro Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD III) apontam que 4,6% das meninas adolescentes usaram cigarros eletrônicos no mês anterior à pesquisa, índice 76% maior do que o dos meninos adolescentes (2,6%). A média de usuários adolescentes no mesmo intervalo foi de 3,6%, 71% superior aos adultos (2,1%). Ao todo, 8,8% da população já experimentou o produto.

Por que isso importa?

  • Produtos como os vapes, apesar de proibidos, são populares e promovem uma “normalização” do ato de fumar, conquistando uma nova geração de usuários, o que pode ser combatido com mais eficiência por lideranças dessa mesma geração, com auxílio de políticas e evidências científicas.
Apenas sete países no mundo proíbem a comercialização de sabores para cigarros eletrônicos, uma das apostas da indústria para conquistar novos usuários

Desafio global palpável e palatável

O uso de sabores é uma “estratégia” da indústria do fumo para facilitar a “iniciação ao tabagismo” e “atrair novos consumidores, em especial o público jovem”, de acordo com nota técnica do Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde (Cetab), ligado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ainda assim, o relatório da OMS aponta que apenas sete países proíbem todos os sabores, enquanto outros 15 restringem ou permitem sabores específicos.

Em 2012, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a venda de produtos de tabaco com aditivos no Brasil, mas a indústria do fumo apresentou uma ação argumentando que a agência, que tem como uma de suas funções regular o tabaco, teria “ultrapassado os limites de seu poder regulatório”. O tema está na fila de análise do Supremo Tribunal Federal (STF) há mais de dez anos e os produtos seguem à venda.

O Brasil está entre os 42 países, incluindo Argentina, México, Índia, Noruega e Uruguai, que proíbem completamente a venda dos vapes, mas ainda não há um padrão em como regular os dispositivos no mundo. Outros 91 países adotam algum tipo de regulamentação, incluindo Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos, China e Austrália, enquanto outros 62 não têm regulação sobre o tema. Em 74 países não há idade mínima definida para a compra dos cigarros eletrônicos.

“Os governos não podem ficar de braços cruzados e não fazer nada em relação a esses produtos. Algo precisa ser feito”, afirmou Andrew Black, líder da equipe da secretaria da Convenção-quadro da OMS para o Controle do Tabaco (CQCT).

A pressão da indústria é “uma das maiores ameaças à adoção, implementação e aplicação de medidas eficazes de controle do tabaco”, de acordo com o relatório. Entre as táticas aplicadas pelas empresas, o texto cita a criação de grupos que se dizem neutros, mas defendem os interesses da indústria; a produção e disseminação de pesquisas enganosas; o lobby e a pressão a autoridades públicas; a litigância judicial e a facilitação do contrabando.

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Pública já mostrou como a indústria do tabaco agiu no Congresso e na Anvisa para tentar liberar dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), demanda não atendida. Entretanto, os vapes podem ser encontrados facilmente. “No Brasil, e em muitos outros países, existe o comércio ilícito, e há empresas que o incentivam. Por isso, é necessário ter mecanismos de fiscalização muito eficazes para combater essa prática”, explicou o diretor do departamento de promoção da saúde da OMS, Ruediger Krech.

Regular propaganda de cigarros eletrônicos passa também por responsabilizar as redes sociais

Responsabilizar redes sociais pode ampliar proteção à juventude

A propaganda dos dispositivos eletrônicos para fumar nas redes sociais é um desafio mesmo nos países onde os produtos são completamente proibidos, caso do Brasil. Em abril, o governo brasileiro deu 48 horas para as plataformas Instagram, YouTube, TikTok, Enjoei e Mercado Livre removerem anúncios de cigarros eletrônicos. Apenas o Instagram foi responsável por 1.637 conteúdos pagos, quase 90% do total.

Os fabricantes também utilizam influenciadores digitais para atrair os jovens. Em 2024, o Núcleo Jornalismo mostrou como uma empresa paraguaia de vapes montou uma rede de influência que contou com celebridades, modelos e páginas de festas no TikTok, no Instagram e no YouTube para promover seus produtos.

“Os jovens gostam de influenciadores”, explicou Olabintan, que considera que eles tornam os produtos mais “chamativos e atrativos”. Ela avalia que as plataformas deveriam ser responsabilizadas por permitirem esse tipo de postagens: “As evidências são claras: os produtos de tabaco são prejudiciais. Da mesma forma que você não permitiria que alguém promovesse uma arma para os jovens, por que então permitir a promoção de um produto que, segundo dados inequívocos, mata?”, defende.

Os cigarros eletrônicos, ou vapes, são desafio de saúde pública em todos os países do mundo e lideranças jovem têm se somado no esforço de conter aumento de usuários

Questionada pela Pública se as redes deveriam responder por permitirem a propaganda dos produtos, a advogada sênior da CQCT Kate Lannan afirmou que “não é fácil, mas é possível”: “Responsabilizar as plataformas de mídia social em vários países, mesmo em um grande bloco como a União Europeia, tem se mostrado muito difícil”. Ela ressaltou, entretanto, que os Países Baixos têm caminhado nesse sentido.

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“O desafio de regular a internet não é um problema exclusivo do tabaco. É um verdadeiro desafio para os governos pensarem em como oferecer as proteções às quais a sociedade está acostumada em um novo mundo onde as fronteiras foram quebradas por causa dessas tecnologias”, acrescentou Black, também da OMS. No Brasil, o STF já formou maioria para abrir a possibilidade de responsabilizar as plataformas por manterem no ar conteúdos ilegais, mas o julgamento ainda não foi concluído.

Outro desafio ligado ao tabaco e produtos associados enfrentado no ambiente digital é o comércio online. Para Fleury Ducas, codiretora da Coalizão de Quebec para o Controle do Tabaco, essa modalidade de venda deveria ser completamente proibida. “Em muitos países, proibimos a exposição desses produtos em lojas comuns que permitem a entrada de crianças e adolescentes. Fechamos as brechas que permitiam às empresas anunciarem produtos de tabaco e nicotina em outdoors. Mas, quando você permite isso nos outdoors modernos, que é o que a internet representa, acaba sendo fácil para as empresas driblarem essas leis”, explicou.

Lideranças jovens contra o fumo participaram de conferência global sobre o tabaco na Irlanda. Da esquerda para a direita: Manik Marganamahendra (Indonesia), Odunola Olabintan (Nigeria), María Florencia Leiva (Argentina), Consuelo Funes (Argentina) e Gonzalo Hünicken (Argentina)

De jovem para jovem, um levante globalizado contra o fumo

Lideranças jovens têm apostado em unir outras causas importantes para a faixa etária à conscientização sobre os danos de fumar. A argentina Consuelo Funes ressalta a ligação das iniciativas de controle do tabaco com a discussão sobre o meio ambiente. “As pessoas ignoram que o uso do tabaco e de produtos associados têm um impacto ambiental altíssimo. Então, se você se importa com o meio ambiente e descobre que isso está relacionado, também deveria se importar com o controle do tabaco. A ideia é justamente essa: encontrar a sinergia entre os movimentos”, explicou a integrante da Organização Argentina de Jovens para as Nações Unidas (OAJNU).

Em 2022, estudo feito em parceria entre a CQCT e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) estimou que 4,5 trilhões de bitucas de cigarro, forma mais disseminada de resíduo plástico no mundo, são descartadas de incorretamente por ano, o equivalente a 765 mil toneladas de lixo. Além disso, os vapes também são compostos de plástico e bateria, elemento de descarte complexo.

Chase Kornacki, pesquisadora e indígena da etnia Navajo, dos Estados Unidos, trabalha com programas de cessação do tabagismo com nove etnias do Sul da Califórnia e participa de conversas com crianças e adolescentes “para mostrar exemplos de como a indústria tenta influenciar e mirar nos jovens para que comprem seus produtos” como forma de “fazê-los perceber que as cores vibrantes ou os sabores que parecem empolgantes, na verdade, são feitos para enganar”. A intervenção é feita de modo a respeitar as práticas sagradas das etnias. “O tabaco nunca foi feito para ser viciante quando era usado da forma correta nas culturas e comunidades indígenas”, explicou, dizendo combater o “tabaco comercial”.

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Para Agamroop Kaur, embaixadora da juventude da Campaign for Tobacco-Free Kids, a importância de ter líderes jovens atuando no tema reside em impactar os pares. “Nós entendemos os problemas que estamos enfrentando, entendemos o que nossos amigos estão passando, qual é a perspectiva e os interesses deles. Os problemas que enfrentamos hoje são muito diferentes dos problemas que as gerações mais velhas enfrentaram”, disse.




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