Walter Smykalla
Artista que marcou época em Itajaí deixa legado que rompe padrões
Pintor faleceu de causas naturais, aos 81 anos, após ser internado em hospital de Taubaté
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]

Por João Batista
No último dia 19 de novembro, a tela do artista plástico Walter Erhardt Smykalla ficou em branco e o pincel repousou tranquilo na paleta de pintura já sem tinta. Aos 81 anos, o pintor com obras marcantes em cidades da região de Itajaí faleceu de causas naturais na Casa São Francisco de Idosos de Taubaté, em Taubaté (SP), asilo onde vivia há cerca de 10 anos, após a última passagem em Itajaí.
Nascido em Curitiba-PR em 16 de novembro de 1940, Smykalla foi criado em Santo André-SP a partir de 1943 e viveu em Itajaí e Balneário Camboriú entre as décadas de 1990 e 2000, período em que teve intensa produção artística na região. Além de um extenso acervo de obras no museu Histórico de Itajaí, deixou muitos amigos e admiradores.
Os trabalhos de Smykalla estão atualmente na exposição temporária “Walter Smykalla - arte e paisagem”, no museu Histórico. A mostra está aberta desde julho e segue aberta à visitação ao menos até fevereiro de 2022, reunindo telas de diversas fases do artista. Smykalla fez das artes sua vida e de sua vida uma história marcada pela liberdade, natureza e arte.
“Faço parte do universo e, portanto, todo trabalho que executo não é algo isolado, mas sim, faz parte de tudo e de todos”, dizia. Durante os anos que morou em Itajaí, o pintor ganhou notoriedade pela numerosa produção de paisagens sobre a cidade e pinturas de murais nas ruas, como na praça da Pipa, na rua Uruguai. Até os anos 1990, ele tinha cerca de 500 telas produzidas, além de murais e afrescos em igrejas.
“Esta figura tirou as artes plásticas dos salões e exposições e jogou para as ruas, muros e igrejas de Itajaí, Navegantes e Penha”, lembra o jornalista Sandro Silva, que em 2013 assinou a série “Smykalla, o homem que pinta a vida”, uma grande reportagem publicada no DIARINHO (confira em www.diarinho.net). “O mais sábio e mais liberto artista plástico que conheci”, destaca.
Pelas redes sociais, Sandro publicou um trecho da série, com parte da entrevista com o artista, fazendo uma última homenagem. A reportagem foi feita depois que o pintor foi encontrado vivendo em condições subumanas num cortiço em Taubaté. De lá, ele veio pra Itajaí, onde ficou no asilo Dom Bosco.
“Apesar das três faculdades, da fluência no alemão – a clássica língua dos filósofos – e da estirpe cultural da qual descende, Smykalla está longe, bem longe, de qualquer estereótipo de intelectual. Livre é a palavra que lhe veste melhor – e que, com certeza, não terá problemas em despi-la caso ache que ela lhe imponha algum tipo de amarra”, diz um trecho do texto de Sandro Silva.
Pintou até os últimos dias
Boatos sobre a morte do artista chegaram a circular nos últimos anos. Em 2020, o próprio Smykalla falou com o DIARINHO por telefone, dizendo que vinha se recuperando de problemas de saúde, mas que estava bem e seguia pintando, apesar das limitações da idade. Na ocasião, ele relatou que estava escrevendo sua biografia de próprio punho e relembrou o tempo em Itajaí, bem como da entrevista pra série de reportagens do DIARINHO.
A casa São Francisco de Idosos de Taubaté informou que o artista ficou internado por cerca de uma semana no início do mês devido a um quadro de baixa imunidade, vindo a falecer no hospital. Ele foi sepultado no cemitério municipal de Taubaté.
Segundo a assistente social da entidade, Selma Aparecida da Silva, a destinação de pertences e materiais do artista, incluindo seus escritos pessoais, seria definida pelo curador legal de Smykalla, um juiz de Taubaté. O artista não tinha mais familiares.
Vista da casa de ex-prefeito virou tela de Smykalla
De Santo André, Smykalla veio morar com a mãe em Balneário Camboriú em 1959. Entre as décadas de 1960 e 1970, eles tocaram o bazar Oceano, uma loja de tecidos no centro da cidade. Após a loja ser vendida, Smykalla passou a viver dos quadros que vendia na faculdade.
Nos anos 1980, ele e a mãe se mudaram de Balneário pra Itajaí, passando a morar na subida do morro da Cruz, endereço onde ela veio a falecer. Antes de se mudar para Taubaté em 1995, Smykalla ainda morou no bairro Cordeiros. Em 2013, ele voltou pra Itajaí, onde viveu no asilo Dom Bosco. Após meses no local, ele quis voltar pra Taubaté.
No asilo Dom Bosco, o ex-prefeito de Itajaí, Arnaldo Schmitt, era uma visita frequente ao artista. Ele soube da morte do amigo nesta terça-feira e lamentou muito a perda. “Logo que o conheci, identifiquei-me com ele. Gostei muito da sua arte, da sua maneira direta de ver as coisas, as pessoas e a vida, e, mais que tudo, passei a admira-lo como gente, como pessoa, puro, simples, sem maldade”, lembra.
Quando Arnaldo morava no edifício Catarinense, com vistas à pracinha da “igrejinha Velha”, a igreja Nossa Senhora da Imaculada Conceição, ele recorda do movimento no centro, dos frequentadores da praça, do café Democrático e das missas e novenas. Aquela vista se transformou num quadro feito pelo pintor.
“Fui com o Smykalla à janela do escritório, e ele também ficou muito admirado. Solicitei, então, que colocasse aquele quadro numa tela. Ele, em uns três dias, fez o quadro. Para ele e para mim, ficou o máximo. Perfeito”, disse, destacando a passagem marcante na relação com o artista.
Smykalla superou o tempo, diz artista
Uma pintura de Smykalla feita em 1987 retratando Navegantes a partir do morro da Cruz, em Itajaí, foi restaurada em 2020 pelo ateliê Ventos do Norte, do conservador e restaurador Oyama Achcar e da artista plástica Tânia Gollnick. Foi a partir do trabalho que Oyama teve contato com a obra de Smykalla e passou a pesquisar o artista.
O restaurador soube que o pintor estava na casa de repouso mas, sem poder visitá-lo na pandemia, fez chamadas de vídeo com ele. “No segundo encontro ele pediu para que enviasse ‘fotos de lugares e natureza, gosto muito de pintar paisagens’. Enviei e ele ficou muito feliz. Havia um desejo de pintar que era como respirar...”, lembra.
Nas notícias recebidas, Oyama relata que o artista já não tinha uma pronúncia tão lúcida. “Sinto que Walter foi se despedindo aos poucos, deixando um acervo para que seja apreciado pelo sul e o Brasil”, disse. Pro restaurador, caberá às instituições que têm obras do artista se comprometer com a conservação, além de fazer ações sobre a importância do pintor.
“O artista reflete, afeta e desconstrói padrões vistos como únicos. O sr. Smykalla fez isso e muito mais, superou o tempo, lutou com bravura para que as pinturas fossem de alguma forma para o Brasil. Ele foi e será para mim parte da minha vida”, declarou.