Matérias | Especial


Itajaí

Os riscos do sombreamento excessivo

O Solarscópio da Univali mostra o que acontecerá se os prédios ficarem mais altosUm dos principais dilemas da vida urbana é conciliar o bem estar dos habitantes com o crescimento das cidades

Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]

A carta solar da Praia Brava apresenta de forma gráfica a trajetória aparente do sol. No verão o sol percorre uma trajetória mais alta e possui maior intensidade, enquanto que no inverno o sol percorre uma porção mais baixa com menor intensidade.


O início das obras de prédios com mais de três andares na orla da Praia Brava, em Itajaí, levou moradores a temer pela deterioração da qualidade da praia, com o aumento das sombras na areia, à tarde, como já ocorre em Balneário Camboriú. Como o DIARINHO informou na edição de 20 de março, “com a liberação do potencial construtivo no canto sul da praia Brava, após a validação da lei do solo criado em Itajaí, no final de 2016, o bairro tá iniciando um processo de verticalização que vai transformar a paisagem do local. Na prática, a Praia Brava passará a ter prédios altos, inclusive à beira-mar”. Pelo menos quatro empreendimentos foram aprovados pelo conselho Municipal de Gestão e Desenvolvimento Territorial beneficiando-se da “Outorga Onerosa do Direito de Construir”, também conhecida como “solo criado”: o município permite que o proprietário de um imóvel edifique acima do limite estabelecido no Plano Diretor, desde que pague. No caso do Villa Brava, da BAF Empreendimentos, com o pagamento da outorga onerosa, o prédio terá seis andares, em área com previsão para apenas três pavimentos. Os especialistas e pesquisadores consideram inevitável o que é chamado de “adensamento” das áreas urbanas, principalmente no litoral. Cada vez mais gente quer morar ou veranear perto do mar e a solução para atender à procura e à pressão dos incorporadores imobiliários, é permitir edifícios cada vez mais altos. O que traz consequências de todo tipo. A pesquisadora Eleonora Sad de Assis afirma que “o crescimento da verticalização das edificações nas cidades tem impactos na insolação e iluminação natural na vizinhança dos empreendimentos”. Segundo ela, “a insolação, a iluminação e a ventilação naturais influenciam a condição de habitabilidade tanto para o convívio humano quanto para a fauna e a flora. Isto acarreta responsabilidade ambiental sobre o clima local e conforto ambiental dos edifícios.” Problema antigo O norte-americano Walter Gropius foi o primeiro a estudar, há 89 anos (em 1930), o afastamento necessário, entre uma casa e outra, para que a luz do sol não fosse bloqueada. A primeira “política de proteção à luz solar” foi criada em 1947, também nos Estados Unidos. E desde então se consolidou o entendimento de que “novas edificações construídas irão sempre alterar a condição de exposição à radiação dos vizinhos”. O aumento da população global e a transferência dos habitantes rurais para as cidades têm intensificado a tendência ao adensamento urbano. Ao “adensar uma cidade”, muitas pessoas passam a viver em uma área pequena. À primeira vista parece um movimento muito atraente: mais gente numa área menor significa mais contribuintes servidos pela mesma rede viária, mais clientes para o comércio, a mesma força policial poderia atender mais gente e a área ficaria mais movimentada. Mas, ao mesmo tempo, essa concentração cria complicações, como a saturação das ruas, com excesso de veículos, e o sombreamento das áreas públicas, dos edifícios menores e das casas. A proximidade das edificações, lembra a arquiteta Carolina Rocha Carvalho, Mestre em Conforto Ambiental e Eficiência Energética, “também altera a ventilação natural, que é responsável pela renovação do ar, pela dissipação de calor, pela manutenção da umidade dos espaços, pelo asseio do ambiente evitando fungos, bactérias e micro-organismos que afetam a saúde, pela dissipação de odores, entre outros”. A proteção à luz natural O advogado Wagner Carmo, autor do livro “Gestão Ambiental na Federação Brasileira” publicou, em janeiro de 2018, o artigo “As cidades e a ocupação dos ambientes de praia”, onde identifica alguns problemas nessa ocupação: “Um olhar atento para as áreas de praia das grandes cidades brasileiras revelará que o uso para banho, lazer e desporto vem sendo prejudicado pelo sombreamento provocado pelos edifícios, pois a liberação do gabarito das edificações, em algumas zonas, acaba permitindo o lançamento de projetos de prédios cada vez mais altos. A verticalização intensiva tende a aumentar a densidade populacional, com picos sazonais, saturando os equipamentos e serviços públicos. O uso inadequado e incompatível tem provocado degradação do meio ambiente natural, com o sacrifício das restingas, um bioma pertencente à Mata Atlântica e importante tanto para a fauna quanto para a flora, além de ser essencial para evitar a erosão do cordão arenoso”. A necessidade de proteção do acesso ao sol e à luz natural encontra respaldo legal na função social da propriedade. Segundo Rosângela Cavallazzi, doutora em Direito e membro do Conselho Consultivo do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), “a cidade, bem social, espaço público de significação e mediação, historicamente construída, impõe ao proprietário o dever de exercer o seu direito em benefício da sociedade”. E o arquiteto Rafael Brandão, doutor em Arquitetura e Urbanismo pela USP, complementa: “não se pode admitir que o proprietário abuse do seu direito de utilização do terreno vedando acesso dos vizinhos a elementos que não só são fundamentais na qualidade dos edifícios, mas também podem permitir economia, reduzindo o consumo de energia”. Preocupação internacional Os moradores e investidores de Boston, nos Estados Unidos, têm desde o ano passado uma ferramenta importante para conhecer e planejar sua cidade. A Agência de Planejamento e Desevolvimento de Boston (BPDA, na sigla em inglês) colocou à disposição do público um modelo tridimensional online, que pode ser consultado gratuitamente no site bostonplans.org. Um dos recursos mais interessantes é justamente o que mostra a sombra que cada edificação projeta, a cada dia e a cada hora, conforme a posição do sol naquele momento. A agência que montou esse modelo afirma que ele faz parte do esforço de “proporcionar maior transparência e maior envolvimento da comunidade”. “Ao fornecer gratuitamente ao público uma ferramenta de planejamento sofisticada como esse modelo inteligente em 3D, estamos criando um novo recurso para melhorar a eficiência e a qualidade de nosso trabalho, dando acesso, aos residentes, a uma ferramenta de visualização do mundo real para imaginar o futuro de nossos bairros e nivelar o campo de jogo para todos os que estão participando do planejamento do contexto urbano de Boston”, disse Brian Golden, diretor do BPDA. Boston foi uma das primeiras cidades dos Estados Unidos a lançar esse mapa 3D online, que permite verificar, entre outras coisas, como as sombras afetam as praças, os monumentos, espaços públicos e as demais edificações. O mapa cobre 129 mil edificações, existentes ou em construção, de arranha-céus a moradias individuais e pequenos prédios de apartamento. O prefeito da cidade, Martin J. Walsh, quer garantir que todos os dados disponíveis sejam abertos e acessíveis ao público, que poderá participar melhor informado das discussões sobre o futuro. Além das sombras, informações sobre o nível do mar, para acompanhar e prever os efeitos do aquecimento global (Boston é uma cidade litorânea), também podem ser coletadas e analisadas. O equipamento do laboratório da Univali permite demonstrar, com precisão, como incide a luz do sol em cada época do ano e a cada hora do dia. Nessa maquete, que simula um trecho da Praia Brava, a arquiteta Carolina Carvalho fez vários testes e verificou que, no verão, prédios acima de oito andares, na quadra mais próxima à praia, provocarão sombras na areia já a partir das 16h. E prédios de 20 pavimentos tirarão o sol da praia no começo da tarde, por volta das 14h30. E, de manhã, são as edificações que ficam mais distantes da praia que terão seu sol bloqueado por edifícios altos na orla. A trajetória do sol na Brava O DIARINHO pediu ajuda para a arquiteta Carolina Rocha Carvalho, Mestre em Conforto Ambiental e Eficiência Energética, professora e pesquisadora na área de Conforto Ambiental da Univali, para tentar entender as consequências do aumento do número de pavimentos nas quadras próximas à praia. E ela usou o Simulador da Trajetória Solar, que existe no Laboratório de Conforto Ambiental (LACA), do curso de Arquitetura e Urbanismo Univali, para demonstrar as sombras que são criadas dependendo da hora do dia e da posição do sol, ao longo do ano. DIARINHO – Por que é importante a luz do sol? Carolina – A presença do sol é importante para a qualidade dos espaços e da vida. A falta pode provocar ambientes úmidos e frios, resultando em problemas respiratórios além de depressão, problemas cardíacos, obesidade e diabetes. O excesso de sol pode resultar em superaquecimento dos espaços e necessidade do uso de condicionamento de ar aumentando o consumo de energia elétrica. Assim, nem a ausência de sol nem o excesso são satisfatórios. Se houver excesso, existem tecnologias que auxiliam na redução de sua influência, porém se houver falta não há como trazer a luz do sol para os ambientes. O planejamento urbano influencia diretamente a disponibilidade de sol nos diversos espaços. Os idosos e crianças precisam ser expostos ao sol de forma controlada, porque têm mais dificuldade de controlar a temperatura corporal e ciclo biológico. Sendo assim, seria interessante poderem ter sol entre 9 e 10h da manhã e entre 16 e 17h da tarde. DIARINHO – E qual é a situação da Praia Brava? Carolina – A Brava possui uma disposição territorial interessante no que diz respeito à orientação. A praia está disposta no sentido norte-sul. Isso facilita a presença do sol na praia ao longo de toda a manhã em todos os dias e estações do ano, sem sofrer influência da verticalização das edificações. Entretanto, no período da manhã as edificações dispostas na beira-mar irão obstruir a luz que poderia chegar às edificações localizadas atrás, dependendo da altura e do afastamento entre os prédios. Considerando as trajetórias solares, ângulos de incidência e os horários relevantes de sol e também levando em conta um recuo frontal de 4m + 1,50m de calçada + 5m de rua + 2,5m de ciclovia + 2m de calçada + 15m de restinga (aproximadamente 30m antes de começar a praia), para que no verão tenha sol na praia às 16hs a edificação da primeira quadra deverá ter, no máximo, oito pavimentos. Mais do que isso vai provocar sombra na praia antes das 16 horas. Uma edificação de 20 pavimentos, por exemplo, sombreia a praia a partir das 14h30. Naturalmente a altura e o afastamento também influenciam no sombreamento entre edificações e entre estas e praças públicas. DIARINHO – Que outros problemas isso pode causar? Carolina – Edificações com acesso restrito às horas de sol apresentam vários problemas com relação à saúde, afetando tanto aspectos fisiológicos quanto psicológicos. E já que a sustentabilidade se tornou algo obrigatório no discurso e preocupação da população e governo, esse efeito de excesso de sombreamento dificulta o aproveitamento da energia solar tanto para sistemas de aquecimento solar quanto para a geração de energia elétrica através de placas fotovoltaicas. Existem pesquisas desenvolvidas em vários países destacando a importância de sua aplicação nas fachadas da edificação e não apenas em sua cobertura, mas em localidades com dificuldade de disponibilidade de luz solar, a aplicação da tecnologia se torna inviável.




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