O ambiente é pesado e triste. Difícil de acreditar que seres humanos escolheram viver em meio ao lixo, ameaçados por todo tipo de doença e sem dignidade. O lugar parece até cenário de filme de terror. Mas o que rola por lá é real. Largado há anos, usuários de crack se instalaram no casarão e sustentam o vício numa buena.
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Gente boa
Com sete moradores fixos, Jackson Ricardo da Luz, 26, flanelinha e catador de lata, é o mais velho na baia. É ele o chefe. São oito anos de domicílio. Dentre os colegas, três trampam como pedreiro e outros três cuidam de carros. Ninguém passa necessidade aqui, nós temos de tudo, garante.
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O alimento vem das sobras de restaurantes. Os colchões foram achados na rua. Em comum os moradores tem o vício em crack. Com cinco pilas, contaram, arranjam droga rapidinho. Vício é uma desgraça. O mundo tá dominado pelo crack. Já me internei oito vezes, mas não adianta, confessa Jackson.
Expulsou
Apesar da dependência assumida, o chefão da baia garante que todos são do bem. Aqui não entra ladrão. Eu fiquei sabendo dessa história do carro e mandei o cara que fez isso embora, conta. Jackson ainda relata que várias vezes eles acabam levando a culpa de outros que aprontam pelo centro. A gente zela pela vizinhança, assegura.
É da União
Patrimônio da União, o DIARINHO apurou que não há previsão pra casa improvisada dos usuários ter um destino mais útil. A superintendente da União em Florianópolis, braço do governo federal na Santa & Bela, Isolde Espíndola, revela que a área foi cedida pra Procuradoria Geral da República de Itajaí e lá será construído o novo prédio do órgão. Eles ficaram de cercar a área e estão aguardando uma autorização de Brasília pra fazer o tombamento e dar início ao projeto, afirma.
Até o fechamento desta edição, a reportagem não conseguiu contato com o coordenador administrativo do Ministério Público Federal, Harley Anderson dos Santos, que tá de férias. No entanto, em matéria publicada pelo DIARINHO em março deste ano, Harley revelou que o terreno era pequeno pro projeto da sede e passaria por adequações.
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As regras da casa
A casa é do governo federal, mas as regras são ditadas pelos moradores de rua. No térreo é o banheiro. Os quartos foram improvisados no forro. Pra conseguir uma vaga, a pessoa precisa passar num processo seletivo.
O quesito mais importante é o histórico de vida. Não pode ser ladrão, assassino ou estuprador. Tem que pedir licença pra entrar. Respeitar os camaradas. Não pode se meter em confusão com a vizinhança e estar ciente que o desrespeito às normas acarretará no imediato despejo.
Entre os moradores, tem universitário e outro que foi viciado pelo padrasto ainda na infância
O pai de Jackson se enforcou quando o rapaz ainda era adolescente. As más amizades o levaram a abandonar, aos 18, a companhia da mãe e fugir com o irmão, na época com 17. Da maconha pro crack foi um pulo. Hoje, rendido à dependência da pedra, não tem mais contato com familiares. A rua e seus moradores tornaram-se a família dele. Viciado desde os 10 anos, David Dico Brito, 23, cresceu vendo o padrasto vender droga na city dengo-dengo. A rapaziada puxava o cachimbo ao lado de sua casa.
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A curiosidade levou David, ainda na infância, a experimentar a droga maldita. Apesar dos pesares, eu sou feliz. Não devo nada pra justiça, não tô preso, não sou aleijado. Tem gente que não agradece a Deus por estar vivo, discursa.
Eu tô offline na minha vida de verdade, conta M.W., 23, o ex universitário que esconde da família que mora no casarão abandonado. Todos os dias, o cara acessa a internet pra conversar com a mãe, que também mora em Itajaí, mas pensa que o guri tá super bem na vida.
O rapaz, de boa aparência, abriu mão da faculdade de design, do carro e do conforto da vida que levava pra viver sem perspectiva. Eu tô cursando a faculdade da vida. Tô aprendendo a dar valor às pessoas. Isso vale mais do que qualquer diploma, acredita. M., viciado, também em crack, acredita que pode recomeçar. Esse é meu último ano aqui. Vou criar vergonha na cara e tocar a minha vida.
Otoridades dizem que só demolindo pra acabar com moradia improvisada
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Enquanto o casarão não for abaixo o povão continuará assistindo à desgraceira na rua nobre do centrão da city peixeira. O secretário de Desenvolvimento Social de Itajaí, Fabrício Marinho, não vê outra solução pra acabar com o ponto de consumo de drogas senão demolir a velha estrutura. Já fizemos blitz, já notificamos o governo do Estado, mas isso já virou novela mexicana, desabafa o abobrão.
De acordo com Marinho, o despejo dos dos drogados são constantes. O programa de Orientação ao Migrante (POM) do município vai até o local com uma Kombi e verifica a situação das pessoas. Identifica de qual cidade vieram e manda alguns de volta. Você retira o pessoal, mas eles acabam voltando pro casarão. A gente tem que respeitar o direito de ir e vir. Isso não vai acabar enquanto não for demolido, explica.
A polícia Militar da city relembra o drama vivido pelos moradores da Vila Operária, onde uma casa abandonada ao lado da escola Deputado Nilton Kucker era alvo dos casqueiros. A solução foi demolição. De acordo com a PM, não é por falta de ações no local, mas enquanto a casa estiver aberta, o vaivém de viciados não vai ter fim.