De camisa branca, barba por fazer e montado em uma bicicleta velha, Ademar Ferreira Mota, 62 anos, sai pelas ruas vendendo o que ele chama de sonhos. Numa caixa verde, fixada com um extensor no bagageiro da ziquinha, estão os produtos de seu sustento: os livros. Para ele não são apenas um amontoado de papéis e letras, são sonhos vendidos pela cidade. Chocolate, como é conhecido em Itajaí, não desfruta deste sonho. Analfabeto, ele guarda apenas na memória a nossa língua-mãe.
Há 30 anos, o mineiro de Valadares chegou a Itajaí. Antes de escolher como lar a cidade portuária, ele passou por outro porto: Santos. Lá, fez família. Um desgosto nas coisas do coração o fez largar ...
Há 30 anos, o mineiro de Valadares chegou a Itajaí. Antes de escolher como lar a cidade portuária, ele passou por outro porto: Santos. Lá, fez família. Um desgosto nas coisas do coração o fez largar Santos, deixar para trás mulher e quatro filhos. Sozinho, veio para Itajaí.
Começou a vida no litoral catarinense vendendo redes em Porto Belo e Bombinhas. Quando os nordestinos acharam outro porto seguro e lucrativo pra comercializar os seus artesanatos, Chocolate ficou sem saber o que fazer. Um dia, em frente à Univali, com fome e com pouco dinheiro, ele teve uma ideia. Mandou imprimir 500 cópias de um poema e saiu pelas ruas vendendo a R$ 1 cada. O investimento teve retorno imediato e naquela noite Chocolate não foi dormir com fome.
Há sete anos, essa simples ideia mudou a sua vida. E das poesias aos livros foi praticamente um caminho natural. Chocolate ficou sem dinheiro novamente e foi pedir uma ajudinha para um amigo. Sem dinheiro, o colega pediu desculpas e deu meia dúzia de livros pra ele tentar vender. Com os livros nas mãos, ele foi para frente do ferri-bote, onde conseguiu liquidar o estoque. Me empolguei e comecei a vender livros. Ia de casa em casa pedindo livros para vender e fui na Casaberta, onde me deram um punhado de livros também, conta.
O vendedor de fala fácil e muita simpatia levava os livros nas mãos. Só que o estoque foi aumentando e os braços já não aguentavam mais o esforço. Arrumou uma bicicleta e uma caixa de plástico para colocar no bagageiro. Então, passei a ser um vendedor de livros, mas costumo dizer que sou vendedor de sonhos. Mais conhecido que nota de um real, brinca, com um sorriso nos lábios.
O local preferido para abordar sua clientela é o centro da cidade, principalmente no Mercado Velho, que agora está interditado. Nessas andanças por Itajaí, Chocolate já vendeu livros para médicos, jornalistas, professores, donas de casas e até para os prefeitos Volnei Morastoni e Jandir Bellini. Quem não compra livros sempre lhe oferece uma ajudinha em dinheiro ou comida. Tudo graças à simpatia do vendedor.
O tipo de livro que o pessoal mais gosta? Os romances, esses aqui de estudos (apontando para a caixa de plástico), não têm saída. Esses quase ninguém compra, conta Chocolate. O vendedor só deixa o sorriso de lado quando lamenta a falta de leitura do povão. As pessoas não leem, fala com a certeza de um estudioso. A informação vem embasada no que houve nas ruas e na TV. Os idosos leem, mas os novos não. Eles só querem saber de jogos, internet, opina.
Negócio pode acabar
Com a pouca leitura, o negócio de Chocolate também está ameaçado. Hoje, ele conta que não dá pra manter uma quitinete no bairro Promorar somente com a venda de livros. Para sobreviver, ele conta com o apoio de um advogado e professor da Univali que mensalmente lhe dá uns trocados. O advogado também prometeu lhe ajudar a conseguir a aposentadoria. A notícia deixa Chocolate animado. Tô esperando uma notícia, ver quando vão sair os meus papéis, comenta.
O mesmo advogado que o ajuda com dinheiro e com a possibilidade da aposentadoria também está com sete músicas que foram compostas por ele. Sem saber ler ou escrever, Chocolate compôs na memória essas canções. As guarda com todo o cuidado e também já passou suas ideias pro dotô. Ele espera que, um dia, o amigo de longa data o ajude a publicar seus escritos. Ele diz que eu posso ganhar muito dinheiro com as minhas músicas, poesias, comemora. Por enquanto, essa ideia é apenas um sonho que ele ainda não conquistou.
O poeta, que guarda sua obra na memória, admite que não aprendeu a ler por sem-vergonhice. Um professor já disse para eu passar na casa dele, que ele me ensinaria, mas eu agradeci, e fui sincero: não aprendo a ler por sem-vergonhice, admite.
Aposentadoria dos livros
Enquanto vive na expectativa da aposentadoria, Chocolate segue pelas ruas vendendo livros. Questionado se vai largar o ofício quando conseguir o benefício do governo, ele fica pensativo. Depois de alguns instantes, responde com o sorriso nos lábios. Se amanhã ou depois o advogado me der essa surpresa, vou continuar vendendo meus livros. Tenho orgulho de vender livros, fala com o peito estufado.
Orgulho ele também tem de ser esforçado. De, segundo ele, trazer caráter e princípio de casa, de berço. Antes de ir embora, seguindo o seu caminho, Chocolate ainda se gaba. Se eu colocar os parabéns a dois reais, com os que já ganhei tava rico, fala, montando na bicicleta.