A família Moraes, que mora rua Otto Hoier, a poucas dezenas de metros do Itajaí-mirim, se apressava pra botar tudo o que podia em cima de um bruto e simandar antes da água chegar. Agora não tem como falar, mas pode tirar as fotos, disse, apressado, Leonardo Augusto Moraes, 22 anos. Ele e a esposa Drieli Vieira, 19, moram ali há cinco anos, junto com os dois filhos. Dividem a casa com a mãe de Leonardo, Nicéia Fátima Moraes, 40, e mais seis irmãos.
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A pressa do funileiro, que junto com alguns parentes e amigos corria pra meter os pertences no caminhão, tinha como objetivo levar a família pra casa de um parente no bairro Itaipava. A pressa era pra tentar levar tudo antes que a água subisse e pegasse a família desprevenida, como nas enchentes de 2008 e 2011, quando eles perderam tudo o que tinham.
Leonardo pagou R$ 130 pelo frete. O valor doeu no bolso, principalmente pelo fato de que ao voltar pra casa, quando a ameaça da enchente passar, vai ter que desembolsar a mesma quantia. Mesmo assim, não tem dúvidas de que tá investindo bem o dinheiro, já que vai resguardar os móveis e outros objetos de valor das águas.
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Mas não são só os móveis que vão ficar nos parentes. A família toda vai esperar de longe a água baixar pra voltar pra casa, que vai ficar fechada. Vamos voltar amanhã ou depois. Depende da enchente. Tomara que a gente volte logo, acrescentou Drieli.
Caramelo também vai
Mesmo com a correria pra levar tudo o que podia no caminhão, Leonardo fez questão de avisar que o Caramelo tava indo junto pros parentes na Itaipava. Caramelo é o guapeca de estimação da família. Ele observava a movimentação escondido embaixo de uma mesa. Ele vai junto sim. Não vai ficar aqui não, fez questão de dizer o funileiro.
Perdeu até a filha por causa da enchente
Mas nem todo mundo quis deixar o Cidade Nova. É o caso da família Alves Rocha, que mora na rua Azaleia, no loteamento Promorar 1. Acostumados com enchentes desde 1983, a decisão foi de ficar. Por isso, tudo o que podia foi levantado dentro de casa.
Dona Maria da Graça Souza Alves, 49, que trampa como auxiliar de serviços gerais numa escola, é um exemplo vivo dos dramas enfrentados pelos moradores da Santa & Bela. Além de ficar sem móveis e até a casa em uma das enchentes, a mulher que mora bem na frente do rio perdeu o que mais tinha de precioso na catástrofe de 1983: uma filha.
Dona Maria da Graça conta que quando fugia da água, num trator, levava junto suas duas filhas, Graziela, com dois anos e Graciane, sua bebezinha de apenas quatro meses. Tentava proteger as crianças, mas a água tava forte demais e a bebê caiu de seus braços. Maria das Graças foi rápida e agarrou a filha antes que a correnteza a levasse. Mas o contato com a água fez a criança adoecer e a pequena Graciane morreu alguns meses depois. Nem a mãe sabe que doença se abateu sobre a criança, mas não duvida que foi o contato com a água contaminada que provocou a tragédia.
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Moradora há 28 anos do Cidade Nova, a mulher reuniu forças e recomeçou a vida do zero ao lado filha sobrevivente e do marido. Não tinha nada em casa e o pouco que conseguiu perdeu em 2001, numa enxurrada. Mas não desistiu. Acompanhada do marido, que perdeu no ano passado, voltou a reconstruir a vida.
O destino voltou a ser cruel com a família. A pequena casa de madeira que dona Maria da Graça construiu no terreninho da rua Azaléia não resistiu à força das águas na inundação de 2008 e veio abaixo, antes mesmo que a família conseguisse retirar roupas, móveis e eletrodomésticos. Foi uma pena que ninguém tenha avisado a gente que ia ter enchente. Podia ter feito alguma coisa, mas não deu tempo. Mais uma vez foi tudo embora, lamentou.
Agora a casa é de alvenaria. No mesmo terreno a filha Graziela, hoje com 32 anos e já casada, também fez sua casinha, também de material. Nem bem dona Maria da Graça terminou de pintá-la por dentro, em 2011, e mais uma vez o rio subiu, acabando com todos os móveis. O mesmo aconteceu com a filha, que perdeu tudo.
Ontem à tarde, a exemplo de vários moradores que faziam uma espécie de vigília na rua, Maria da Graça, a filha e o genro Edson José da Rocha, 37, tavam atentos ao aumento do nível do rio. Quando ele invadir a rua, é certo que a água vai invadir tudo, disse a mulher, com a experiência de quem já viu a mesma cena várias vezes.
Graziela e o marido construíram um segundo piso na casa. Por isso vão ficar por lá. Fiz a parte de cima pra minha sogra, mas é pra lá que a gente vai quando a água subir, afirmou.
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Medo de saques
A decisão de não sair da casa da família Alves Rocha é por conta do medo dos saques. Nas outras vezes em que tiveram que simandar das casas, além do problema enfrentado pela enchente, tiveram problemas também com saqueadores. Invadem e levam tudo o que podem. É ruim saber que, além da água, as pessoas também se aproveitam, reclama Maria das Graças.
Maria acredita que, dessa vez, o alerta da Defesa Civil apontando pro risco da enchente deve fazer toda a diferença. Pra ela, agora as pessoas tiveram tempo pra se preparar e tentar, de alguma forma, salvar suas coisas. Se das outras vezes tivesse um alerta, muitas histórias podiam ser diferentes, conclui.